domingo, 25 de dezembro de 2011

Conto de Charles Dickens retrata a atual "imagem" do dia 25 de dezembro (artigo de R. S. Kahlmeyer-Mertens no Jornal do Brasil, 25/12/2008)


Ilustração de "Um Conto de Natal" de Charles Dickens


(Clique sobre a imagem para ampliá-la)


Faça aqui download gratuito do conto de Dickens,
um presente de natal do Blog Literatura-Vivência:



Versões:





sábado, 24 de dezembro de 2011

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"Um livro na sua árvore de natal", Dalcídio Jurandir



Em 2007, José Roberto Freire Pereira, filho do escritor paraense Dalcídio Jurandir, me passou um recorte de jornal datado de 1973 contendo um artigo do pai. Já era a época em que se via as lojas enfeitadas e cânticos natalinos em cada casa.
Inspirado pelo artigo de Dalcídio, passei a parodiá-lo naquele fim de ano escrevendo algo parecido. Tratava-se de escritos de retrospectiva sobre tudo que havia sido lançado em termos de literatura. Isso foi feito em 2008, 2009 e 2010, no espaço  da distinta coluna Artes Fluminenses, assinada por Luís Antônio Pimentel, no Jornal A Tribuna.
Em 2011, julguei importante republicar o texto de Dalcídio. Ecce homo (datado? Não, atualíssimo):



 
Um livro na sua árvore de natal,
  
                                                                                                                                Dalcídio Jurandir

- Que presente vai me dar, este Natal? Uma cesta, um perfume, aquele colar que vimos juntos na vitrina?
- Não. Um livro.
- Mas livro?!
Entraram na livraria, o rapaz pediu o Pequeno Príncipe, de Exupéry e deu a ela:
- Pra começo de conversa e de Natal. Principie.
- Príncipe? Príncipe o que?
- A ler, menina! Comece pelo Príncipe.
Certo é que perfume, colar, a meia, tão habituais ao Natal, não temem concorrência de livro. Nem as grandes cestas que parecem cargas lotando a sala de jantar próspera ou as mais discretas, por mais baratas, que vão para o subúrbio, velha encomenda pensada há meses. As coisas, como presentes, ainda só valem pelo brilho, quantidade e preço.
Embora caro e nunca necessário quanto o arroz e o feijão, ou mesmo a castanha, o livro custa menos que a gravata e dura mais que o perfume e o sabonete
Passarão os Natais e aquela moça há de encontrar na sua casa, relido ou esquecido, mas constante, o livrinho comprado de circunstância que lhe falará sempre de um Príncipe e de suas sutis aventuras. O rapaz poupou o bolso praticando um bom-gosto, atreveu-se a entrar na livraria ao invés de entrar na perfumaria. E isso há dez anos não era assim.
Não era hábito de Natal fazer presente de livro, coitado do livro ali na montra cinzenta, entre o tédio do caixeiro e a solidariedade poeirenta dos outros livros, seus companheiros de solidão e abandono.
Agora o desamparado é confiado a uma embalagem, e tome papel colorido e tome laço de fita, aparece na vitrina, num ar festivo, como caixa de presente. Vem aos poucos ganhando seu lugar de Natal e Ano Bom.
Os novos tempos sopraram o velho pó das montras e sacodem o embaraço de quem quer dar um presente: Que tal um livro? Barato, fino, lisonjeia quem dá e quem recebe. Vamos ao livro.


A eletrônica sugere um presente

Se menino quer brinquedo, o técnico espera aquele livro que vive namorando, o Eletrônica Aplicada e convém que seu amigo se lembre disso e apareça com o presente. E há professores e estudantes que desejariam ganhar, neste Natal, aquele Evolução da Física, de Einstein e Infeld, que custa apenas setecentos cruzeiros. É possível que a estudante de faculdade de filosofia vacile entre a pulseira e o A Origem da Terra que a preocupa nas suas aulas. Aqui esse moço parou diante da vitrina, lendo A Mecânica do Cérebro e sua curiosidade é compreensível, estuda psicologia e confia que o amigo lhe apareça em pleno Natal com o desejado volume. E não custa experimentar mandar de presente a um técnico de carros aquele Manual do Volkswagem.


A ilustração como presente de festa

Ilustrar-se é uma antiga aspiração popular, ilustrar-se naquele sentido de ler um almanaque, ler curiosidades, folhear um dicionário. Como presente de Natal, a ilustração reserva muito atrativo. Por exemplo, O Livro da Natureza, o Deuses, Túmulos e Sábios, as fartas enciclopédias, Milagres da Novocaína e o persuasivo Vença a Alergia a quatrocentos cruzeiros. E para maior resistência da ilustração, bom presente é a História da Liberdade no Brasil, de Viriato Correia.
Podemos ir aos preços mais altos, como a Enciclopédia de Arte, da editora Martins, a sete mil cruzeiros, as coleções da Cultrix - Histórias e Paisagens do Brasil - vários volumes, a seis e quinhentos ou a História das Invenções, e pode-se chegar a este: Sexo: perguntas e respostas, Guia para um casamento feliz ou mandar embrulhar, como presente, o Amor e Capitalismo, de Cláudio de Araújo Lima.


Pendure a ficção na sua árvore

Se tem árvore, não hesite, tome o rumo da livraria e veja o desfile da ficção brasileira um pouco ansiosa de virar presente, um pouco ainda envergonhada, mas que diabo! Não faz mal sair num embrulho lindo, ser pendurada na árvore ou discretamente entregue ao amigo:
Convém ler a ficção nacional, senhores que gostam de dar presentes de festas, convém! Por exemplo, aqui temos o segundo volume de Marques Rebelo, A Mudança, e aí você encontra o Rio em excelente prosa; mande embrulhar também o Maria de Cada Porto, de Moacir Lopes, não esqueça Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, O Vento do Amanhecer em Macambira, de José Condé, Matéria de Memória, de Carlos Heitor Cony, o Corpo Vivo, de Adonias Filho, Serras Azuis, de Geraldo França de Lima, o Ganga-Zumba, de João Felício dos Santos, o Arquipélago, de Érico Veríssimo, a coleção Graciliano Ramos numa verdadeira embalagem de Natal, todo o José Lins do Rego.
Entre a quantidade dos presentes nunca será demais A Comédia Humana, de Balzac, da editora Globo, ou a coleção Dostoievski, da José Olympio, o Guerra e Paz, de Tolstoi ou Grandes Esperanças, de Dickens. E será bom incluir no roteiro uma visita a Machado de Assis, seus livros devem estar em toda estante; e fazemos questão de lembrar que há um romance indispensável para presente: o Triste Fim de Policarpo Quaresma, do carioca Lima Barreto.
Por outro lado, os que gostam da velha aventura podem ainda ler o Alexandre Dumas em Os Três Mosqueteiros e O Colar da Rainha e a coluna maciça dos romances policiais – mas sempre livro.


A hora da poesia

Em matéria de poesia é seguir os bons poetas e a Aguilar pode dar de presente o Fernando Pessoa em volume muito digno. Mas não esquecer, leitora da grama em Del Castilho, defronte do conjunto residencial, que bom presente é também As Primaveras, de Casimiro de Abreu, ou as Espumas Flutuantes, de Castro Alves, ou, então, o Terceira Feira, de João Cabral de Melo Neto.
Não fica aí a sugestão, porque outros poetas estão ao nosso alcance, neste Natal: Lição de Coisas, de Carlos Drummond de Andrade, Para Viver um Grande Amor, de Vinicius de Moraes, O País do Não Chove, de Homero Homem e o Violão de Rua. Estão à sua espera, que é comprar, levar e o presente valeu por toda vida.
 
 
Miudeza também é presente

Os mais modestos não desejam os livros mais ricos ou os mais sábios e sim aqueles, por exemplo, da coleção “Como Se Faz...", "Como Se Vence”, onde é fácil encontrar para um presentinho despretensioso, o Arte de Fazer Amigos, o Aprenda a Conversar, Como emagrecer comendo e tudo a preço camarada.
Informações úteis, como presente, é uma boa sugestão de Natal e Ano Bom; este, por exemplo, Da Tabela Price ou Conheça seus Direitos, além do Aprenda a Nadar Corretamente e mande a seu amigo um “Manual de Judô”, sempre é livro.
Para um distante amigo da roça, não será bom mandar de presente o Lições Práticas de Avicultura? A um que se empenha no esoterismo, mande esse volume aqui, solene, por nome Cabala.


Os livros sérios
Todo livro é sério e creio que nada mais sério do que um livro de poesia. Mas aqui os sérios são os livros de fisionomia grave como, por exemplo, o Reflexões sobre a História, de Burckhardt, o Pré-Revolução Brasileira, de Celso Furtado, A Inflação Brasileira, de 1820 a 1958, a Coleção Saber, com mais de cinquenta volumes, o Princípios de Planejamento Econômico, o Manual de Economia Política, da Editorial Vitória, o Formação Histórica do Brasil, de Nelson Werneck Sodré, os livros da coleção Brasiliana, o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz da Câmara Cascudo, o Cristianismo Hoje, da editora Universitária, a preços que variam de trezentos e setecentos.
Cabe incluir, pela atualidade, o Política Externa Independente, de Santiago Dantas. Um Hatha-Yoga é um presente de Natal a amigo que cultiva essa transcendente matéria. E em meio a tamanha seriedade de livros, não esquecer que o Natal e Ano Bom reclamam livros de cozinha, este, por exemplo, Prenda Seu Marido... Cozinhando.
Agora, noutra escala, a da crítica, temos dois presentes de significação: A Glória de César e o Punhal de Brutus, de Álvaro Lins, e o Laboratório Poético de Cassiano Ricardo, de Osvaldino Marques.


“Homenzinho na Ventania"

A Editora do Autor lançou uma nova coleção de presentes: A Mulher do Vizinho, de Fernando Sabino, A Bolsa e a Vida, de Carlos Drummond de Andrade, o O Retrato na Gaveta, de Otto Lara Rezende e Homenzinho na Ventania, de Paulo Mendes Campos.
Outro presente de festas é o Banho de Cheiro, de Eneida, os “Cadernos do Povo Brasileiro”, da Civilização Brasileira, o álbum de Portinari, a coleção Les plus beaux: insetos, borboletas, cães, o El Greco, o Picasso, o Caribe.
Para um político, bom presente é Vida de Virgílio de Melo Franco, de Carolina Nabuco. Temos depois, ou antes, os livros sobre futebol: Copa do Mundo, de Mário Filho e Drama dos Bi-Campeões, de Armando Nogueira e Araújo Neto.
E do assunto Pelé, podemos chegar ao assunto teatro e apanhar da Aguilar o Bodas de Sangue, de Federico Garcia Lorca, chegando, ainda, ao Pagador de Promessas e A Invasão, de Dias Gomes. E a um amigo curioso da África, mande África - as raízes da revolta, e sobre Fidel, o ainda atual A Verdade sobre Cuba.
Um político pode receber para ensinamento a toda hora, o História das Lutas Sociais no Brasil, de Everardo Dias, e a outro que queira ter um bom santo na sua estante não é mau lhe oferecer As Confissões de Santo Agostinho.


O mundo maravilhoso gira em torno de Monteiro Lobato


No Brasil, a história para criança continua a girar em torno de Monteiro Lobato. Os meninos continuam a ver no mestre o avô contador de histórias. Por isso, chovem os livros de Monteiro Lobato nos sapatos, na noite de Natal, e com ele os outros livros, os outros autores, o cortejo dos bichos e fadas e tudo que é o faz-de-conta e o encantado e o que é ainda bom de contar às crianças.
Aqui, o presente é mais numeroso e vale a pena. Preferível este Na Região dos Peixes Fosforescentes ou a Coleção para Jovens, da editora Brasiliense, que o revolverzinho de bandido...
Mas não só menino necessita de livro. Gente grande também. E agora Natal e Ano Bom é a ocasião de fazer do livro um bom, e até bem barato, entre coisas tão caras, presentes de festas.




terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Encerramento do ano literário em Niterói com o lançamento do próximo número de "Literato - O Jornal das Letras de Niterói"




Convite:

 Literato - O Jornal das Letras de Niterói (n. 07, dezembro de 2011), será lançado no Calçadão da Cultura, Livraria Ideal (Rua Visconde de Itaboraí, 222, Centro, Niterói), na próxima quinta-feira, dia 22 de dezembro às 10h.

Com o lançamento, se encerra o ano literário de nossa cidade.

A Livraria Ideal doará livros durante a reunião festiva

Aproveitamos para agradecer à Secretaria Municipal de Cultura,
à Fundação de Artes Municipal e à Imprensa Oficial do Rio de Janeiro pelo apoio na edição de mais este número de Literato.


Por favor, repassem e compareçam.
A entrada é franca e a presença é grata.

 


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

“Coisas do amor”, crônica fluminense de Agenor Filho




Cidade de Bom Jardim nos idos de 1950,
foto da capa de A casa dos avós (Biblioteca 24x7, 2008), de Agenor Filho.


Coisas do amor



Fim das férias de Rodrigo na roça, no dia de embarcar para o Rio de Janeiro, foi para a casa da sua tia Lenira, em Bom Jardim. A empregada da casa, Sônia, que tinha muitas amizades, anunciou ao Rodrigo que uma amiga dela viria visitá-la e ela queria apresentá-la. Lenira, que já sabia quem era a moça que viria à sua casa era a Anunciação, antecipou que se tratava de uma pessoa maravilhosa. Ele sentiu o coração bater mais rápido e as pontas dos dedos geladas. Quando ela chegou, procurou por Sônia, que a conduziu para a sala onde estava Rodrigo, fez as apresentações, participou inicialmente da conversa e, em seguida, pediu licença para retirar-se e os dois ficaram as sós.
Anunciação comentou que ele deveria gostar muito do sítio, pois não tinha tido tempo de vir passear na cidade. Rodrigo disse que morava há dez anos no Rio e que ainda não se adaptara aos centros urbanos e, para ele, o Rio de Janeiro e Bom Jardim eram a mesma coisa. Ela achou a comparação exagerada.
Continuando, ele comentou que passeou pela região rural, visitando os sítios de amigos e parentes e que o último passeio fora a cavalo na Serra do Arrasto, onde pegou um temporal violento com chuvas e ventos fortes, além de raios que assustaram os cavalos.
Até aquele momento, cada um estava sentado em uma poltrona, com um sofá entre eles. Rodrigo sentiu atração de ficar perto dela, então, levantou-se da poltrona, sentou-se no sofá, indicou com a mão o local em que ela deveria sentar-se, bem junto a ele. Aceitando o convite, levantou-se sorrindo e ele contemplou os seus lindos olhos azuis, que, naquele momento, pareciam ainda mais azuis e mais lindos, sentou-se ao seu lado. A vontade de ambos é que aquele momento se eternizasse. A seguir, a tia entrou na sala, serviu um cafezinho e avisou que poderiam deixar as xícaras na bandeja que, mais tarde, ela viria buscá-las. Isto significava que ela não voltaria a interromper.
Retornaram à conversa sem assunto, o silêncio e a aproximação terna excluíam as palavras. Tempos depois a tia voltou à sala dizendo que não queria interromper nada, mas tinha que lembrar que estava chegando à hora do trem. Ela era maravilhosa, mas as palavras dela quebraram o encanto. Ora, que lembrança dolorosa exclamou! Mas a tia informou que, para que eles tivessem mais tempo de conversar, ela arrumara a mala. Anunciação disse que já ia se retirar, ele a acompanhou até o portão, ficou contemplando-a até dobrar a esquina e disse para si mesmo que, se não bastassem tantas qualidades, ainda tinha a elegância no andar.
Enfim, pegou sua mala e caminhou para a estação. Quando passava em frente à Casa Erthal, um senhor chamou-o pelo nome do pai, abordando-o e desculpando-se por chamá-lo por aquele nome, pois não sabia o nome dele. Ele disse que acertara, pois era xará do pai. O senhor apresentou-se como Gilberto, gerente da Casa Erthal. Falou sobre a amizade dele com seu pai, inclusive relembrando as lutas políticas do passado, e perguntou qual era a filiação política atual do velho companheiro. O jovem informou que o pai era da UDN e Gilberto ficou feliz em saber que ele e o amigo ainda eram correligionários.
Quando Anunciação estava passando do outro lado da rua, Gilberto disse que aquela moça era filha dele, o novo amigo disse que a conhecera há pouco na casa da tia Lenira, só não disse que o cupido o flechara. Gilberto disse que ele nomeara a filha sua secretária e ela se nomeara chefe dele, a seguir ela veio ao encontro deles e lembrou que era hora dele retornar para o trabalho e o trem estava para chegar. Ambos dirigiram-se à moça, Rodrigo para despedir-se e Gilberto para acompanhá-la.
Rodrigo sentiu muita vontade de beijá-la nas faces, mas naquela época, em uma cidade do interior, se um rapaz publicamente beijasse as faces de uma moça, a família dela o obrigaria a casar-se imediatamente. Sob a contemplação do pai, se despediram com um aperto de mão e um abraço distante. Ele, fazendo força para esconder sua tristeza, disse que queria que nesse dia não tivesse trem, mas o pai comentou que isto não aconteceria, pois o trem já estava em Cordeiro. Rodrigo pensou: o homem não o deixou sonhar nem por um momento. E parecia que seu Gilberto estava começando a entender alguma coisa.
Rodrigo, sentado no banco da estação, sonhava com a possibilidade de não haver trem naquele dia e o seu atraso aumentava sua leve esperança de não ir embora. A seguir, o sino da estação badalou, anunciando que o trem estava próximo. Ele sentiu uma fisgada no coração e, antes que se refizesse, a máquina surgiu veloz e apitando na curva. Ele sentiu um frio na barriga e o trem foi chegando ruidosamente. Ele pegou sua bagagem e embarcou, e o sino foi outra vez badalado para anunciar, desta vez, que o trem partiria. A seguir, ouviu-se o trilar de um apito, era o chefe ordenando que maquinista partisse, ele respondeu com um apito breve e começou a botar a composição em movimento, tão suavemente que quase não se percebia que estava andando. Depois, ele seguia lentamente pelas ruas da cidade, batendo sino e apitando com freqüência. O repicar do sino e o apitar da máquina eram bonitos e tristes. Rodrigo, sentado junto à janela, gostava de ver a máquina quando entrava nas curvas O trem custou muito a subir a Serra de Conselheiro Paulino, os passageiros estavam ansiosos para que ele chegasse a Nova Friburgo a tempo de engatar no trem rápido e seguir. Se não chegasse, teria que esperar quatro horas até aparecer outra locomotiva e não chegou.
Rodrigo, entediado e já morrendo de saudades, não sabia o que fazer para passar aquele tempo, que parecia uma eternidade. A seguir, ouviu o som de um acordeom que tocava La Cumparsita. Sentou-se ao lado do músico e ficou curtindo sua saudade e tédio. Acabada a música, ele deu uma gorjeta e pediu bis, e foi dando gorjeta e pedindo bis, até que o músico sugeriu outros tangos. Ele aceitou e ouviu tantas músicas que lhe pareceu que o tempo passou rápido. O sino da estação badalou avisando o passageiro que o trem iria sair, o apito do chefe trilou ordenando ao maquinista que partisse, ele partiu lentamente e foi pelas ruas de Nova Friburgo badalando o sino e constantemente dando apitos breves. Quando o trem chegou ao Rio de Janeiro, já eram dez horas da noite.
No dia seguinte, teria que voltar ao trabalho. Ele já foi para o serviço contando os dias para terminar o ano e voltar a sua cidade, rever o seu amor e refazer um namoro que nem chegou a começar. Mas Sônia, que viera para casa de sua mãe para ajudá-la, estava sempre atenta aos suspiros do Rodrigo, cada vez que ele suspirava, ela dizia que era pela Anunciação. Sônia tinha bem-guardado o retrato dela, de vez em quando ela o mostrava, mas não o deixava botar a mão nele. Só podia ver de longe. Chegou a ocasião de Rodrigo servir o Exército e aquele ano foi atípico para a vida militar. Houve muitas crises e as Forças Armadas entravam constantemente em prontidão rigorosa e o período do serviço militar acabou se alongando além de um ano, sufocando o período de férias. O pessoal para ser liberado do Exército tinha que aguardar que os soldados recrutas ficassem prontos para o combate. Quando isto aconteceu, eles foram liberados e tiveram que se apresentar, imediatamente, às empresas em que trabalhavam e a viagem tão esperada não aconteceu. No ano seguinte, ele viajou para a sua cidade, mas Anunciação já era noiva. Ele não a viu. No outro ano, quando ele foi, ela já tinha casado.
Só voltaram a encontrarem-se 50 anos depois. Ele foi assistir à missa de aniversário de 90 anos da mãe da Anunciação, que, nessa ocasião, ele já sabia que ela era sua mãe de leite. Quando a família numerosa estava na porta da igreja, esperando o momento de entrar, Anunciação veio ao seu encontro para cumprimentá-lo. Ele disse: Veja o que o destino fez conosco. Ela perguntou se ele era feliz, ele respondeu que sim. Ela concluiu que, se ambos somos felizes, o destino não fez nada contra nós, porque ele nada pode, é Deus quem pode tudo.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ler, escrever e caricaturar: sobre Nietzsche e a "moda Nietzsche"



Retrado de Nietzsche. Óleo sobre tela por Edward Munch (1906)



Já faz algum tempo que o nome “Nietzsche” se tornou uma referência do senso comum à erudição e ao comportamento de scholar. Daí, se se quer ostentar uma aparência pretensiosamente intelectual, basta citar Nietzsche em uma circunstância social ou trazer o livro do autor debaixo do braço, enquanto em que se faz cara de desdém frente ao mundo todo (para se ter ideia, até as telenovelas têm utilizado as máximas de Nietzsche para causar efeito).
Sim, vivemos uma época em que grassa um nietzscheanismo jovial, classe-média burguesa e ignorante do que estaria em jogo na obra deste autor. Uma época de leitores que, por terem lido as orelhas do Assim falou Zaratustra, se acham os próprios “super-homens” (Übermenschen) descritos no livro, passam a se arrogar possuidores de uma atitude sempre afirmativa perante a vida, a se julgar os fortes que prevalecem sobre os fracos ressentidos (como se a existência humana nos permitisse ser fortes incondicionalmente) e que chutam cachorro na rua só porque não gostaram da cor.
Curioso é que o próprio Nietzsche, sabia do risco que as coisas que escrevia poderiam suscitar tais comportamentos, é isso que se constata quando na obra Ecce Homo ele nos diz: “Conheço minha sina. Algum dia, meu nome estará ligado a qualquer coisa enorme – a uma crise como nunca houve na terra, ao mais profundo conflito de consciência, a uma decisão equivocada contra tudo aquilo que, até aqui, se acreditou, se estimulou, se santificou. Eu não sou um homem, sou dinamite”. Essas linhas, escritas em 1888 (após se referirem a crises niilistas do valor e a ascensão e queda de regimes desumanos como o nazismo) poderiam ser pensada a propósito disso que, aqui, chamamos de “a moda Nietzsche”.
Prudente que era, o próprio filósofo colocara o antídoto para essas afetações em suas obras. Um desses “antídotos” é o texto Do ler de do escrever, fragmento que pode ser lido como a posição de Nietzsche sobre o ato de compor textos (neste caso, interessante ao público literário frequentador de Literatura-Vivência), bem como ocasião para pensar o que significa ler um filósofo como Nietzsche.
Embora o texto seja corrido, optamos por ilustrá-lo entremeando-o com caricaturas do filósofo. Tentativa de mostrar o quanto o filósofo era caricato em suas ideias, ou o esforço por mostrar que é preciso caricaturar uma versão “encurtada” de Nietzsche para liberá-lo aos bons leitores? (Leitor, responda você mesmo).

Ao fim, ainda há um vídeo de Paulo Autran dizendo Fernando Pessoa e outro com algumas das últimas cenas de Nietzsche antes de sua morte no ano de 1900 (este segundo pouco recomendado para pessoas sensíveis). Atenção, também, para a novíssima reedição dos diálogos de Platão (desta vez bilíngue com tradução de Carlos Alberto Nunes, organização de Jaa Torrano e aparato crítico de Victor Pinheiro).



Do ler e do escrever




                                                                                                                      Friedrich Nietzsche

De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com o próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.


Não é fácil compreender o sangue alheio; odeio todos os que lêem por desfastio.
Aquele que conhece o leitor nada mais faz pelo leitor. Mais um século de leitores – e até o espírito estará fedendo.


Que toda a gente tenha o direito de aprender a ler, estraga, a longo prazo, não somente o escrever, senão, também, o pensar.
Outrora, o espírito era Deus, depois, tornou-se homem e, agora, ainda acaba tornando-se plebe.
Aquele que escreve em sangue e máximas não quer ser lido, mas aprendido de cor.


Na montanha, o caminho mais curto é de cume a cume; para isso, porém, precisa-se de pernas cumpridas. Máximas, cumpre que sejam cumes; e aqueles aos quais são ditas devem ser altos e fortes.
O ar rarefeito e puro, a vizinhança do perigo e o espírito imbuído de uma alegria. malvadez: coisas que combinam bem uma com a outra.


Quero ter duendes ao meu redor, porque sou corajoso. A coragem que afugenta os fantasmas cria seus próprios duendes: a coragem quer rir.


Eu já não sinto do mesmo modo que vós: essa nuvem que vejo abaixo de mim, essa coisa negra e pesada – é, justamente, a vossa nuvem de temporal.
Vós olhais para cima, quando aspirais e elevar-nos. E eu olho para baixo, porque já me elevei.
Quem de vós pode, ao mesmo tempo, rir e sentir-me elevado?



Aquele que sobe ao monte mais alto, esse ri-se de todas as tragédias, falsas ou verdadeiras.
Corajosos, despreocupados, escarninhos, violentos – assim nos quer a sabedoria: ela é mulher e ama somente quem é guerreiro.



Dizes: “A vida é dura de suportar”. Mas para que teríeis, de manhã, a vossa altivez e, de noite, a vossa submissão?
A vida é dura de suportar; mas, por favor, não vos façais de tão delicados! Não passamos, todos juntos, de umas lindas bestas de carga.


Que temos em comum com o botão de rosa, que estremece ao sentir sobre o corpo uma gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida, porque estamos acostumados não à vida, mas a amar.
Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre, também, alguma razão na loucura.


E também a mim, que sou bondoso com a vida, parece-me que as borboletas e as bolhas de sabão e o que mais do gênero há entre homens, são as que melhor conhecem a felicidade.
Ver voejar essas alminhas loucas, leves e graciosas induz Zaratustra a chorar e a cantar.



Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar.
E, quando vi o meu Demônio, achei-o sério, metódico, profundo, solene: era meu espírito de gravidade – a causa pela qual todas as coisas caem.
Não é com a ira que se mata, mas com o riso. Eia, pois, vamos matar o espírito de gravidade!
Aprendi a caminhar; desde então, gosto de correr. Aprendi a voar; desde então, não preciso que me empurrem, para sair do lugar.



Agora estou leve; agora, vôo; agora, vejo-me debaixo de mim mesmo; agora um deus dança dentro de mim.

Assim falou Zaraustra.



(NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra – Um livro para todos e para ninguém. 7ª. Ed. Trad. Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.56-58.)





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domingo, 11 de dezembro de 2011

"La vie littéraire", por Xavier Placer





La vie littéraire

                                                                                                                                    Xavier Placer
Há, ao vivo -
O escrevinhador esforçado.
O beletrista-sorriso.
O neo-liberal sem rubor.
O polígrafo grisalho.
O figurão emblemático.
O equivocado sublime.
O barbudo deslumbrado.
O plumífero esvoaçante.
O pornógrafo de berço.
O ensaístazinho up-to-date.
O transcriador em órbita.
As duplas dinâmicas.
Os avinagrados.
O carreirista que deu certo.
O predador desinibido.
O destilador de essências.
O mártir do calvário do estilo.
A literata fisiológica.
O figurante de todas as fotos.
Outros.
− E, claro, o Escritor e o Leitor,

Graças a Deus.

(PLACER, Xavier. Mini prosas. Niterói: Letras fluminense, 1991. p.21)





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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Destino de Laocoonte ou Resposta à pergunta: o que é isto, o intelectual?



O texto que se segue é parte da introdução de um livro organizado por mim e a ser lançado para o ano que vem. Trata-se do atrasadíssimo: Conversações com intelectuais fluminenses. Tal livro conta com 20 entrevistas de diversas personalidades de destaque que nasceram ou se radicaram no Estado do Rio de Janeiro, entre eles: o antropólogo Roberto DaMatta, do teólogo Leonardo Boff, do acadêmico Marco Lucchesi, do filósofo Gerd Bornheim, do historiador Ciro Flamarion Cardoso, do poeta Luís Antônio Pimentel, da educadora Célia Linhares, do artista plástico Israel Pedrosa, do jurista Jorge Loretti entre outros. O livro, que conta com o prefácio de Victor Pinheiro (curador do espólio de Benedito Nunes) e com orelhas assinadas por Renato Nunes Bittencourt, busca registrar o perfil do intelectual fluminense na medida em que registra conversas que versam sobre o tema.

O extrato abaixo enfoca a identidade do que seria um intelectual, mais sobre esta ave rara poderá ser vista no livro. Ao fim desta, ainda se veicula uma relação de títulos sobre a temática do intelectual para eventual consulta e aprofundamento de pesquisa:
 
Laocoonte e seus filhos


O Destino de Laocoonte ou Resposta à pergunta: o que é isto, o intelectual?

 
Roberto Kahlmeyer-Mertens

(...)
A noção de intelectual é vasta. A denominação reúne, em torno de si, na mesma proporção, tanto definições quanto controvérsias desde o século XVIII (quando vemos o tema ganhando feição moderna nas intuições iluministas de Kant e nas Preleções sobre a determinação do letrado de Fichte e, depois, com Hegel e com o jovem Marx), sem que isso fosse suficiente para a criação de uma unidade de perspectivas e sentidos. Buscando uma compreensão pacífica que abrigasse essa polissemia, quase nos persuadimos a ceder à ironia de Michel Foucault, quando afirma a ideia de intelectual lhe parecer estranha, não tendo ele conhecido intelectuais: “Encontrei pessoas que ensinam, pessoas que pintam e pessoas que não compreendi bem se elas faziam seja lá o que for. Mas intelectuais, jamais”.1 Foucault acrescenta ter conhecido pessoas que atuam em muitos ofícios, mas reluta em entender o intelectual como um ofício, possuindo uma noção do que esse o seja, apenas por dele ouvir falar.
Ao nos ocuparmos do tema, identificando suas muitas abordagens possíveis, declinamos a provocação do filósofo, pois esta nos deixaria expostos à incerteza e ambiguidade acerca do conceito de intelectual, importante aqui. Assumimos, portanto, um esboço também para uma compreensão do que isto seja. Com essa compreensão, estaríamos salvaguardados de um intelectualismo ingênuo, que pressupõe o intelectual como todo indivíduo dotado de inteligência, e do estreitamento de seu significado na figura do intelectual orgânico (representante e articulador político-ideológico de determinada classe social) como formula Gramsci; discorda a Escola de Frankfurt (propositora da ideia de intelectual crítico) e uma parcela da mídia, muitas vezes, distorce. Isso é motivo suficiente para estarmos convencidos a não deixar o conceito de intelectual apenas subministrado.
O termo intelectual surge negativamente conotado. Vem em desdenhosa oposição a Émile Zola, Marcel Proust e Anatole France, que manifestaram sua indignação frente ao caso Dreyfus (escândalo envolvendo este oficial francês de origem judaica que foi falsamente acusado de alta traição por partidários do anti-semitismo francês).2 Com o tempo, o deboche passou a designar aqueles que prestam o serviço de entender e elucidar a sociedade de seus problemas, como acusa o termo “intellegere”, etimologia que apropriada conceitualmente significa entender.
Pensar o intelectual como este “entendedor”, antes de nos reportar à cultura latina, nos põe em contato com a cultura iluminista, na qual se encontra a proposta do uso esclarecido da razão. O intelectual ali era quem, agindo racionalmente em domínio público, colaboraria com a autonomia do indivíduo, da sociedade e, enfim, da espécie humana. É, portanto, um transformador da sociedade, tornando-a cada vez mais emancipada, garantindo a intelecção dos limites das instituições reguladoras do poder e do papel transformador que cada indivíduo na sociedade pode exercer. Dotado de habilidades e competências, o intelectual as exerce ordinariamente no campo cognitivo (ciência, educação e difusão), prático (direito, ética) ou estético (artes plásticas, literatura etc...) e, extraordinariamente, quando, mesmo sem mandato, intervém nos casos que entende que o estado ou outros sujeitos ferem princípios legais atinentes à realidade humana e que envolvem a ordem e a liberdade coletiva. Deste modo, o intelectual bem poderia ser comparado ao Laocoonte, expresso na riqueza simbólica e instintiva das narrativas greco-latinas. Homero, em sua Ilíada, retrata-o como possuidor de dotes especiais: sacerdote do deus Apolo, Laocoonte é o único a entrever os riscos que, ocultos em “cavalos de Troia”, ameaçam o homem da pólis e a seu povo; é aquele que acha prestar um serviço público, intrometendo-se e pronunciando categoricamente a verdade que intui.3 Os intelectuais, bem como o personagem, estão fadados, apesar de toda a sua veemência, aos poderes vigentes que, sub-repticiamente os sufoca e a sua grei, submergindo-os em múltiplas formas de silêncio.
Recolhidos às suas tarefas habituais ou engajados em causas excepcionais, intelectuais são seres de cultura. Promotores de conhecimento, cronistas de acontecimentos, críticos em permanente vigilância, eles opinam e intervêm na medida em que os acontecimentos se dão, estando prontos a dizer sempre mais do que se conhece, a apresentar o que eles viram além dos outros. Este esboço não pretende esgotar as acepções de intelectual.4
Do intelectual, resguarda-se a variedade de sua formação, titulação, orientação política, profissão e áreas de atuação, seus perfis são diferentes ideológica e socialmente, etária e etnicamente: são gente da filosofia, ciências sociais, letras e história. (...)


Notas:

1 FOUCAULT, Michel. O filósofo mascarado. In: Ditos & escritos II – Arqueologias das Ciências e Histórias dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 301.
2 Cf: WINOCK, Michael. O século dos intelectuais. Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
3 HOMERO. Ilíada. In: Obras completas de Homero. Trad. Luis Segalá Estalella. Barcelona: Montaner y Simon, 1955.
4 Cf: NETO, A. L. Machado. Da vigência intelectual – Um estudo de sociologia das ideias. São Paulo: Grijalbo, 1968.


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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Intelectual, quem?

Até a data da entrega do "Prêmio Intelectual do Ano", oferecido pelo Grupo Monaco de Cultura, Literatura-Vivência fará postagens diárias nas quais o tema do intelectual será abordado. São escritos  que problematizam o estatuto e a identidade do intelectual em nossa sociedade. Os textos, a serem postados até o dia 9 de dezembro (véspera do evento), buscam provocar a reflexão sobre o perfil desta figura tão questionada.
A interação (debate) com nossos caros leitores será bem recebida.





Intelectual, quem?




Para início de conversa, seja-me permitido parodiar, aqui, a conhecida resposta dada por Santo Agostinho, ao ser interrogado sobre se sabia definir o tempo.
Tal qual o autor das Confissões, também eu, a propósito da indagação contida no título deste breve ensaio, afirmarei, a princípio, saber o que é um intelectual. Mas, logo após, assaltado pela dúvida e receoso de incorrer em erro, me apressarei a dizer que não sei bem o que seja um intelectual...
Assim, nesse estado de espírito, vou limitar-me a incitar o paciente leitor, para que, juntos, busquemos, com os meios ao alcance e as luzes do bom senso, uma conceituação razoável e compreensiva desse tipo humano, nem sempre fácil de ser identificado entre as demais ovelhas de nosso rebanho.


Convite ao trabalho

Procuremos ser, na medida do possível, cartesianos, começando por uma definição genérica, a partir da etimologia da palavra. É óbvio que intelectual (substantivo e adjetivo) deriva de intelecto, sinônimo de inteligência. Daí, o registro dos dicionários: “intelectual é a pessoa dotada de poderes superiores de inteligência”; ou “pessoa dada a estudos literários ou científicos”; ou “pessoa que tem gosto predominante pelas coisas do espírito”; ou “pessoa que se ocupa, por gosto ou profissão, com as coisas do espírito”. São definições, um tanto imprecisas, é certo, transcritas pelo sociólogo Gilberto Freyre, no livro Além do apenas moderno (Topbooks, 1973), que focaliza o intelectual, prioritariamente como um tipo social.
Nessa obra, cuja leitura sugiro ao leitor, o Casa grande & senzala desenvolve, magistralmente, oportunas reflexões em torno da situação histórica do intelectual, como tipo, a posição social atual deste e suas possíveis projeções sobre o futuro, particularizado o caso do homem brasileiro, na transição do moderno para o pós-moderno, em que já estamos vivendo.
Tem-se, portanto, que o chamado tipo intelectual, se caracteriza, antes de tudo, pelo uso que faz da inteligência, ou intelecto, dispondo de instrumentos próprios de trabalho, para desempenhar uma operação sintético construtiva, especificamente humana, que é o pensamento. O pensamento, no dizer de São Tomás de Aquino, resulta da conjunção dos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) com o intelecto ativo, dotado de seus princípios originários extra-empíricos.
Os instrumentos de trabalho do intelecto, conforme sabemos, têm nome: a atenção, memória, interesse de aprender, hábito de raciocinar e estudiosidade.


O pensamento e a palavra

Nicola Pende, em A ciência moderna da pessoa humana, observa que o pensamento, em sua essência característica, se exprime através da palavra ou do nome. O homem fala, mas, o animal não fala; porque carece de abstrações, não pensa. A palavra é o reflexo imediato do pensamento; a expressão e a comunicação da abstração no conteúdo. Conforme diz Piaget, é a necessidade de socializar o pensamento, a fim de torná-lo mais claro. Pensamos com palavras, e as palavras, por seu turno, são pensamentos pronunciados interiormente, internamente, mentalmente. Note-se, de passagem: existem tantas formas de pensar quantos sejam os indivíduos, sobretudo os tipos humanos psicológicos.
Assim, podemos concluir que paralelamente ao uso dos seus instrumentos de trabalho, acima referidos, não pode o intelecto abster-se de cultivar, ao longo da vida, a arte do pensamento e a arte da palavra (oral ou escrita). É a sua missão.

Sem a capacidade da atenção, sem a concentração mental, sem o acertado aproveitamento da memória, sem a curiosidade que caracteriza o interesse de aprender, sem o hábito de raciocinar ou o emprego correto da razão, sem o manejo hábil e adequado da palavra, sem a prática habitual da leitura de livros, revistas, jornais relacionados com a cultura, está-se vendo que será descabido falar de vida intelectual.
Parece-me que estamos progredindo e poderíamos esboçar, a esta altura, um perfil do intelectual, menos vago e mais específico. “Intelectual é a pessoa (homem ou mulher) que sobressai em seu meio sócio-cultural, mediante o uso que faz da inteligência, tanto na operação do pensamento como pela difusão de conhecimentos ligados às ciências, às letras e às artes, na conversação, e também na produção de obra escrita, oral ou fonográfica, com vistas ao progresso espiritual e moral da Humanidade. Que tal?


As categorias

O Dicionário Analógico da Língua Portuguesa (ou de ideias afins) que é uma adaptação feita por Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, do Roget’s Thesaurus inglês, enfileira, entre os termos ou expressões aparentados, analogicamente, com o substantivo intelectual, os seguintes: “ilustrado”, “estudioso”, “pensador”, “sábio”, “notabilidade”, “homem de marca”, “potência intelectual”, “mentalidade de escol”, “homem de vasto saber”, “homem de sólida cultura”, “humanista”, “pantólogo”, “polímata” e “rato de biblioteca”.
Na coluna oposta, reservada aos respectivos antônimos, figuram os “não-intelectuais”, representados pelos termos e expressões que transcrevemos; “ignorante”, “apedeuta”, “iletrado”, “misólogo”, “misóssofo”, “cavalgadura”, “camelório”, “azêmola” e “toupeira”. Esses são os extremos. É evidente que, entre uma extremidade e outra, subsistimos nós as inteligências medianas, nem por isso menos dignas de respeito e consideração, certo?
Quantos aos intelectuais propriamente caracterizados, alguns autores se aventuram a criar categorias, utilizando critérios pessoais, poderosos ou não.
O jusrisfilósofo Norberto Bobbio, por exemplo, na obra “Os intelectuais e o poder” (dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea), distingue o intelectual revolucionário (contra o poder constituído) e o intelectual puro (defensor dos valores absolutos), ao examinar o problema antiquíssimo da relação entre teoria e práxis. E tece, ainda, considerações sobre o antiintelectualismo, isto é, a situação dos que não se definem por nenhum dos lados, numa postura de automortificação.
Outro exemplo é o da classificação apresentada por mestre Gilberto Freyre, que em seu livro anteriormente citado, aponta de um lado o tipo do intelectualista (adepto das formas culturais ou sistemas de valores em que predominam os elementos racionais sobre os elementos afetivos ou volitivos, quer dizer os intelectuais exagerados, e, na extremidade oposta, os intelectuários (neologismo criado por José Lins do Rego, para caracterizar o intelectual engajado, comprometido, burocratizado, arregimentado, a serviço, como intelectual, do Estado, do partido, de uma organização ou instituição ou de uma causa, como foi a opção de André Malraux, a serviço do governo de De Gaulle...
Antes de concluir, vou registrar que existe um termo para designar o processo de auto-instituição dos intelectuais: intelligentsia.

O tema, de indiscutível importância, é versado superiormente por Edgar Morin, no quarto volume de sua obra O método, em que ele trata das idéias, seu habitat, vida, costumes e organização (pp. 74-79). É outra leitura que recomendo.

(SOUSA, Sávio Soares de. Intelectual, quem? In: Revista Bali - Letras Itaocarenses . Itaocara: Academia Itaocarense de Letras – AIL, 2009. Ano XX, n. 212. pp. 3-5.)





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