segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Di


DI CAVALCANTI, Emiliano. Mulher de Rosa. Óleo Sobre tela. 1951.


Literatura-Vivência, em suas postagens, tem por premissa sempre mesclar mais de uma mídia. Textos, imagens (foto, pinturas, caricaturas etc), áudio visuais (clips, curta metragens, animações...) e músicas fazem parte de nosso layout.
Na postagem de hoje, buscamos reunir todas essas categorias para bem ilustrar o múltiplo Di Cavalcanti (o artista era muito mais do que um “pintor de mulatas”). O traço caricato de Appe, o texto do “impagável” José Cândido de Carvalho, os quadros do próprio Di Cavalcanti e o polêmico curta-metragem “Di”, com direção de Glauber Rocha (que esteve proibido, até bem pouco tempo, pela família do pintor), formam um perfil de nosso enfocado:

Di Cavalcanti



Emiliano é seu nome e Di Cavalcanti a sua glória. Hoje, ao dobrar a esquina dos setenta, um dos seus grandes prazeres é perder tempo. Uns amontoam dinheiro, Di perde tempo, é campeão nacional e internacional, com diplomas registrados na França e em Porto da Caixas. Sai de casa com planejamentos rígidos e imutáveis. Vai fazer isso, fazer aquilo. Ao botar o pé fora da porta, dá de frontispício com um sujeito que conheceu, certa noite, num bistrô de Paris ou num cabaré em Buenos Aires. É aquele espadachinar de abraços:

− Seu Di, que prazer!

Di Cavalcanti está perdido. O bom Emiliano, boêmio como um gato de muro antigo. Seu navio pode viajar para a Inglaterra ou para a China. Mas pode acontecer também de encalhar num golfo de chope em Cordovil...


Di Cavalcanti em caricatura de Appe, 1971.


O mágico da companhia

E que tem feito Di Cavalcanti nesses anos de iê-iê-iê de agora? Muita coisa. Principalmente honra o mundo com o seu talento, espadeirando tintas, lambuzando o século com as mais importantes cores já saídas de pincéis brasileiros. Hoje, Di Cavalcanti é uma glória bem estabelecida, firmada e incontestada. Qualquer rabisco seu, feito à pressa em papel de embrulho, vale muitos salários-mínimos. Di valoriza o que toca. É o mágico da companhia.

(...)
 
DI CAVALCANTI, Emiliano. Esboço. s/d.


Di e as andorinhas

Di Cavalcanti não mora. Circula. Vai a gente perguntar por ele e disca o Graham Bell. Do outro lado da linha alguém informa que Di está em São Paulo, na França ou na Bahia. Ao contrário das andorinhas, Di corre atrás do inverno. É louco pelo frio. Na União Soviética, certa ocasião, pegou termômetro a muitos quilômetros abaixo de zero. Mas o bom carioca da Rua Riachuelo aguentou o inverno russo com a maior dignidade. Como um esquimó de gravata e óculos.

(...)

DI CAVALCANTI, Emiliano. Pierrete. Óleo Sobre tela. 1922.

Glória nas grades

Diz: − Uma tarde, dando de olho num céu muito azul, pensei em Lisboa. E para Lisboa embarquei esquecido de que Salazar estava vivo. Estava. Fui preso.

Trancafiaram Di com glória e tudo.

(...)

DI CAVALCANTI, Emiliano. Independência. Óleo Sobre tela. 1969.


Amizade a longo prazo
 
De Jean-Paul Sartre, seu amigo, guarda forte impressão. A impressão de um homem à altura de seu tempo, não só como escritor, como exemplo de dignidade. De Assis Chateaubriand afirma ser o brasileiro mais realizador que conheceu. Um homem de espírito e ação. Chateaubriand de mão aberta, sempre pronto a servir, sempre pronto a dar ao Brasil e aos brasileiros alguma coisa. Há cinquenta anos, na porta de O País, conheceu Chateaubriand. Meio século de uma admiração que não envelhece.




Glória a Picasso

E fala de pintura e de pintores. Cita nomes nacionais e estrangeiros. Mas para Di o grande mágico do circo continua a ser Pablo Picasso, um artista à prova de tempo. Uma eternidade de pintor. Muitos outros, na longa caminhada que terão de fazer até a glória, serão apenas nomes, pobres nomes de arquivo, quando muito com duas ou três palavras na história da sensibilidade do século. Picasso não. Explica Di:

− Há excelentes pintores que fazem Picassos. Mas Picasso é o único que faz Picassos propriamente ditos. Originais, com a marca da eternidade.

E sobre pintura não disse mais. Ficou em Picasso.

(...)


DI CAVALCANTI, Emiliano. Vênus. Óleo Sobre tela. 1938.

CAVALCANTI, Emiliano. Samba. Óleo Sobre tela. 1928

DI CAVALCANTI, Emiliano. Cinco moças de Guaratinguetá. Óleo Sobre tela. 1930.

( CARVALHO, José Cândido. Ninguém mata o arco-íris – 35 retratos em 3x4. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. pp.68-73.)



Curta metragem de Glauber Rocha




Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)


 

14 comentários:

  1. O blog deveria receber uma premiação pelo seu alto nível, sinceramente. Obrigada por tudo, Roberto!
    Belvedere

    ResponderExcluir
  2. Quando vão passa esse filme pela prefeitura?
    Dia 12 de dezembro na Câmara vai haver um coquetel às 15hs.

    ResponderExcluir
  3. Hehehehe, pq o José Cândido de Carvalho está de sunga?

    É uma posição cômica para um acadêmico da ABL!

    Achei legal!

    ResponderExcluir
  4. Renato Augusto Farias de Carvalho28 de novembro de 2011 às 20:21

    Caro Roberto: A arte do nosso Di Cavalcanti é a nossa orgulhosa mostra da criatividade do gênio
    brasileiro. Hoje ele teria 114 anos. Já nos ido de 1914 a genialidade do jovem retratava-se na
    velha revista Fon-Fon ... E que grupo ( anos depois ) Di Cavalcanti frequentava - Oswald de
    Andrade, Mário de Andrade e Guilherme de Almeida. Você, por ventura, na sua coleção, tem um
    exemplar do livro " A balada do enforcado " , de Oscar Wilde, ilustrado pelo nosso artista ?
    E a " Antologia de Poetas Bissextos " , organizada por Manuel Bandeira ? Faz pouco tempo tive
    a satisfação de rever a Via Sacra do artista na Catedral de Brasília. Pois é, Roberto, estamos
    esperançosos e felizes: A FILOSOFIA ( que é uma trajetória de investigação, de pensamento )
    acentúa esse encanto da ARTE PICTÓRICA . Vivas a Di Cavalcanti e a Você, caro confrade, pelo
    trabalho e pelo entusiasmo. Meu humilde apoio de sempre e fraternal abraço Renato Augusto.

    ResponderExcluir
  5. Muito bom o material. A meu ver só ficou faltando mostrar o Di Cavalcanti caricaturista.

    ResponderExcluir
  6. Eugênio Simões Filho29 de novembro de 2011 às 15:03

    Caro Roberto, parabens por ter se lembrado deste fantastico artista , que eu conheci. Um grande abraço do seu maior admirador e incentivador, quero ver você em todas principalmente na ABL. Eugênio S.Filho

    ResponderExcluir
  7. Não gostei de ter visto o acadêmico da ABL, José Cândido de Carvalho, descomposto na foto. Não haveria foto melhor?
    Outra coisa, se a família proibia o filme no qual o pintor Di Cavalcanti aparece morto, porque veiculá-lo no blog. Trata-se de um desrespeito à vopntade da família.

    Reprovei

    ResponderExcluir
  8. Roberto Kahlmeyer,

    este é um blog verdadeiramente cultural.
    A música, a literatura, as artes pictóricas, o cinema, a história... tudo está contemplado!

    Parabéns por este veículo que, concordo com o primeiro comentário, mereceria um premio de honra ao mérito

    Luan Braga

    ResponderExcluir
  9. Em resposta ao comentário anônimo imediatamente acima, devo dizer que a escolha da foto do acadêmico José Cândido do Carvalho foi proposital. Ela (que já estava na internet ao lado de outras) visava, exatamente, criar este estranhamento. Nós estamos tão acostumados a ver figuras acadêmicas envoltas em bronzes e mármores que esquecemos que estas figuras eram humanas e, no presente caso, afáveis. Mário de Andrade fala do poeta que come amendoim, por que eu não poderia veicular uma foto do imortal tomando sol? Ao por a foto de José Cândido de Carvalho pegando sol em Itacoatiara (balneário de Niterói) humanizo sua figura. Lembro que antes de ter sido acadêmico, escritor, jornalista... ele foi homem (não seria o mesmo que ele, Zé Cândido faz com o Di Cavalcanti, por meio de sua prosa?).

    Quanto ao vídeo de Glauber, pensei ter sido suficientemente claro, em minha postagem, quando disse: “proibido, até bem pouco tempo”. Particularmente, julgo que era um direito da família vetar o vídeo, já que traria imagens do (parente) Di Cavalcanti morto. No entanto, a arte está acima de tudo isso e era uma grande pobreza de espírito mantê-lo interditado. No mais o filme está no YouTube para quem quiser ver. Eu apenas o reproduzi aqui.

    Nos dois casos, a arte deve estar agradecendo.

    ResponderExcluir
  10. Isso mesmo, Kahlmeyer,

    É preciso pensar a arte e as academias "com o martelo" como fazia o Nietzsche.

    Lembro que este filósofo que estudo dizia que não podia acreditar em um Deus que não soubesse dançar. Pois eu também, não acredito em uma literatura ou em uma arte que não saiba rir e gozar.

    O meio das academias está tão envolto em uma solenidade sisuda que aqueles bustos laureados pareceriam defecar mármore.

    Viva a literatura de sunga, a arte solar, o cinema gaio! Viva Di, Zé Cândido, Glauber e Kahlmeyer

    ResponderExcluir
  11. Caro Prof. Kahlmeyer,

    Te admiro muito!

    Susana

    ResponderExcluir
  12. Rica postagem, Roberto.

    Parabéns!

    Tolé

    ResponderExcluir
  13. Excelente postagem, Roberto.
    Mas ponha outra ae, esta eu já li.
    Quando será atualizado o Blog?

    Felipe

    ResponderExcluir
  14. OLÁ TIO KAHLMEYER,

    ACHEI MUITO BONITAS AS PINTURAS DO DI.
    MINHA MÃE DISSE QUE EU POSSO VER SEMPRE SEU BLOG.
    GOSTEI DO MOÇO DE CUECA!

    BEIJOS
    SUELEM

    ResponderExcluir