sábado, 28 de maio de 2011

“Exploremos o petróleo, já basta de exploração" : a literatura engajada de Luís Antônio Pimentel

Com a recente descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal em nossa costa, os olhos de todas as empresas multinacionais exploradoras de petróleo estão voltados para o Brasil. Tal fato faz com que nos preocupemos com a boa utilização desta fonte de energia responsável, em muito, pelo crescimento econômico de nosso país.
A preocupação com esta fonte de riqueza – entretanto – não é recente. Muito pelo contrário, data da década de 1940 quando uma série de conferências sobre que destinação dar ao petróleo brasileiro deflagrou um movimento contrário a abertura do mercado petrolífero ao capital estrangeiro e em favor do monopólio estatal. “O Petróleo é nosso” surgiu, assim, como um dos movimentos de opinião pública mais vigorosos da história política brasileira, tornando-se conhecido de todos os brasileiros. O movimento que envolvia algumas das melhores cabeças pensantes do país (Monteiro Lobato, Apparício Torelli, Juarez Távora, Fernando Lobo Carneiro...) também contou com o apoio do poeta e jornalista fluminense Luís Antônio Pimentel.
O que vemos nesta postagem é o texto que Pimentel escreveu unindo forças ao projeto do Estatuto do Petróleo, cuja ideia fora lançada em 21 de abril de 1948. Nesta balada, escrita em 1948, Pimentel defende que, se for para entregar as reservas petrolíferas ao capital estrangeiro, é melhor que se o mantenha no chão. Tese que não é de todo improcedente mesmo nos dias atuais.

Temos aqui o texto integral de Balada do Petróleo, estabelecido com notas dos nomes e fatos datados (explicações estas fornecidas sob consulta ao próprio Luís Antônio Pimentel e a Manoel Casimiro Lopes - Manekolopp,  outro veterano na luta em defesa do petróleo brasileiro). Além do texto anotado, há também o vídeo no qual Pimentel recita a Balada do petróleo (gravação feita por iniciativa de Paulo Roberto Cecchetti).

(Luís Antônio Pimentel na caricatura de Ildo Nascimento)
                                                                                                                                   http://www.ildonascimento.com/



Balada do Petróleo

Luís Antônio Pimentel

Consumam nossas divisas,
comprem passas sem caroço
pentes-finos de ariano
pra cabelo de mulatos,
laranjas da Califórnia,
sal fino bretão, em vidro,
palitos de Portugal,
comprem figos, “petit-pois”,
comprem feijoada em lata,
cabides de massa plástica,
pra pendurar nossa tanga;
gastem ouro em profusão.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Acelerem Areal, (1)
marquem passo em Macabu,(2)
para que ter luz elétrica
onde existe lampião?
Entreguem de uma só vez
a nossa indústria de vidro
e a de motor de avião.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Generais Horta Barbosa,
José Pessoa e Estillac,(3)
generais Pedro de Pinho
e Cordeiro de Farias
militares patriotas,
mostrem às Forças Armadas
que defendem a nação
que o nosso fim será triste
caso haja indecisão.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Meus companheiros do povo,
soldados e marinheiros,
senhores de anel no dedo
e homens de pé no chão,
vão ouvir Mattos Pimenta,
Rafael, Osório Borba,(4)
Fernando Lobo Carneiro (5)
ou o Carnaúba e o Barão.(6)
Vão ouvir os jornalistas
que não traem a profissão,
e escrevam pelas paredes
a piche, tinta ou carvão:
“exploremos o petróleo,
já basta de exploração!”.
Não entreguem o petróleo
deixem-no ficar no chão!
Emprestem dinheiro à Light
pra desservir a nação,
façam senador Filinto (7)
da Rua da Relação,(8)
e convidem o Plinoca (9)
pra deitar falação,
peçam logo ao Chico Campos (10)
nova constituição,
entreguem rotas aéreas,
bases e navegação.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Companheiro revoltado,
em sinal de desacato,
reze uma prece a Lobato,(11)
passe a mão no violão
e faça um samba sentido;
como o laurindo da FEB (12)
cante cheio de emoção:
“façam guerra se quiserem,
que eu seguirei no escalão”.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Mandem cunhar moedas de ouro,
liquidem nosso alumínio
quando ainda em embrião,
rompam com os Soviets
e, aproveitem, chamem Pina (13)
para tomar um pifão;
contestem que Salazar
é Franco em segunda mão.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Paguem aos moços da SAB,(14)
com o dinheiro do povo,
pra fomentar confusão,
fechem sedes de partidos,
cassem todos os mandatos
(de Barreto Pinto, não!).(15)
Cometam desatinos,
a hora é a da reação,
torpedeiem Ademar, (16)
façam mesmo intervenção.
Não entreguem o petróleo,
deixem-no ficar no chão!


Façamos com o petróleo
o que foi feito com o carvão.
Cerremos todos fileira
pra que não o entreguem, não,
pois a Pátria Brasileira,
ante a atitude estrangeira,
quer seu petróleo em seu chão!

(PIMENTEL, Luís Antônio. Balada do Petróleo.
In: Jornal de Debates. Dir. Mattos Pimenta. 20/11/1948. p.5)


Notas:


1. Usina hidrelétrica do rio Piabinha, no Município de Areal – RJ
2. Usina hidrelétrica do rio Macabu, no Município de Macaé – RJ, Pimentel critica, em 1948, a morosidade das obras iniciadas em 1931.
3. Pimentel convoca militares nacionalistas ligados ao Clube Militar de onde nasceu o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, entidade civil que defendia o monopólio estatal do petróleo. A saber: General Júlio Caetano Horta Barbosa, Marechal José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, General Estilac Leal e Osvaldo Cordeiro de Farias.
4. O poeta nomeia jornalista da época engajados com a campanha do petróleo, entre eles Mattos Pimenta, editor do Jornal de Debates e Osório Borba (cujo epíteto era “o homem que cuspia marimbondos” dado a sua virulência contra o governo Dutra, que pretendia abrir a exploração do petróleo ao capital estrangeiro).
5. Fernando Lobo Carneiro era engenheiro de cálculo da Escola de Engenharia e um dos defensores do petróleo brasileiro.
6. Deputados que defendiam a campanha “O petróleo é nosso” (um dos movimentos de opinião pública mais vigorosos da história política brasileira). O segundo é Apparício Torelli, mais conhecido como “Barão” de Itararé.
7. Filinto Müller, chefe da polícia política de Getúlio Vargas. Por sua truculência, Filinto Müller ostenta o título de “Patrono dos torturadores brasileiros”.
8. Rua na qual ficava situada o presídio destinado aos presos políticos no período do Estado Novo.
9. Apelido irônico dado a Plínio Salgado, líder do Movimento Integralista Brasileiro. Conta-se que este político, embora não possuísse dotes de oratória (como voz e presença física), era afeito a fazer falas públicas longas e geralmente enfadonhas.
10. Francisco Luís da Silva Campos redator da Constituição Federal de 1937 (Conhecida como “Polaca”) que em muito serviu aos interesses do governo de Getúlio Vargas.
11. O pedido de prece se justifica pois, após sua morte em 4 de julho de 1948 (meses antes da publicação desta balada), Lobato se torna uma espécie de “santo padroeiro” do movimento em defesa do petróleo).
12. Em depoimento oral, o próprio poeta Luís Antônio Pimentel noticia que a referência a “Laurindo da FEB” tanto se refere ao personagem fictício da música “Cabo Laurindo”, quanto da música “Laurindo” ambas de sucesso entre os anos de 1946-48 (leia as letras e ouça os dois sambas nos respectivos links desta nota).
13. Pina (cujo nome completo não conseguimos averiguar) foi um político brasileiro alcoólatra que, sob efeito do álcool, fez uma série de considerações depreciativas ao modelo soviético, episódio que teve repercussão internacional.
14. Deputado Federal Eduardo Barreto Pinto, cassado 1946 por ter se deixado fotografar pela revista O Cruzeiro trajando a parte de cima do fraque e cuecas (confira a referida foto no link).
15. SAB – Sociedade de Amigos do Brasil. Na época instituição ligada ao movimento integralista.
16. Ademar Pereira de Barros, político paulista de grande influência entre as décadas de 1930-1960. Ex-governador de São Paulo.



Balada do Petróleo
na voz de Luís Antônio Pimentel
(março de 2011)





quarta-feira, 25 de maio de 2011

Sandro Rebel: poeta anticonvencional e valor campista na cunhagem/resgate da identidade fluminense.

Quem são os “atores” da Renascença Fluminense? As postagens anteriores suscitaram perguntar como essa. Essas desejam saber se teríamos talentos que pudessem encabeçar a proposta de um renascimento da cultura literária fluminense (e, se caso houvesse, quem seriam essas figuras). As postagens que se seguirão a esta vêm responder a essas indagações. Apresentaremos alguns dos escritores que compõem o significativo cenário da literatura fluminense (sejam eles vivos-atuantes ou pertencentes a um passado ainda muito vigente). Consideremos homenageados os nomes aqui contemplados; estejamos, pois, preparados para o que é reconhecido como o melhor e o mais louvável na literatura feita no Rio de Janeiro.


Subsídios para a história de um Calçadão, por Sandro Pereira Rebel



Na Livraria Ideal,
em clima sempre de festa,
e de maneira informal,
o saber se manifesta.
Lá é sede da cultura,
pois é no seu Calçadão
que a arte e a literatura
têm força e dimensão.
De expressão, tem muita gente,
muito talento de escol,
que lá, aquele ambiente,
refulge que nem o sol.
Mas refulge, na verdade,
e difunde erudição,
com a maior simplicidade,
sem qualquer afetação.


(...)

E é por essa mesma trilha
que se guia o Pimentel,
pois com todos compartilha
seus saberes, a granel.


(...)

Quem ainda da poesia
faz do seu manejo um dom
que cultiva com maestria,
é a Beatriz Chacon.
E no que diz com escritora,
a todos sensibiliza
a riqueza criadora
que tem Branca Eloysa.
(...)


Assim como lá fulgura,
de pena e palavra fácil,
a admirável figura
do ilustre Doutor Horácio.

Lutterbach é outro vulto
que, por muito respeitado
como inteligente e culto,
há de aqui ser exaltado.
Mas, não posso me olvidar
de, entre tantos luminares,
mencionar e ressaltar
o ilustrado Hugo Tavares.
E, com um jeito de menino,
no calçadão também luz
o poeta Wanderlino,
com a sua Lena Jesus

(...)

Outra presença bem cara,
afável como um deleite,
provém da bela Itaocara:
a do Doutor Kleber Leite.
Entre, assim, pessoas tantas
que lá estão pra se aplaudir
há o Chaudon, o Lívio Dantas
e os Sousas: Sávio e Gercy.

(...)

Tem mais gente que vai lá,
mesmo sem muita freqüência,
como o Lyad, do haicai,
poeta de excelência.
Loretti, grande orador,
e o Nery, vereador.

(...)


E tem o Waldir Carvalho,
que, da história até o romance,
sabe dar ao seu trabalho
mais um atraente alcance.



(...)


é mais outro que enriquece
as divertidas manhãs
que a Livraria Oferece.
E pra que a gente italiana
com a brasileira se irmane,
mais o Calçadão se ufana
de ter lá o Júlio Vanni.

(...)

Tem a Maria, cantora,
com seu par, o Francisconi,
tem Neide, a declamadora,
e a edil Maria Ivone.
Tem o Oswaldo, jornalista,
tem o Cecchetti, do “Cais”,
Leda Jorge, musicista,
Heitor Cruz e Armando Vaz.

(...)

Carlinhos, o livreiro,
na cidade é o Principal
é o mais firme timoneiro
da agitação cultural.

 

(...)

No Calçadão, mais saudade,
uma outra, enorme, ficou,
das sementes da amizade
que o Sérgio Cid plantou.
À guisa de pós-escrito,
antes, pois, de terminar,
faço questão de contrito,
um apelo aqui deixar.
É que, face a tanta gente
que freqüenta o Calçadão,
com certeza, inconsciente,
cometi muita omissão.

E deixei de registrar
a presença de pessoas
que aqui deveriam estar,
recebendo também loas.
 Que saibam me perdoar,
todas essas que esqueci:
este o apelo que, ao findar,
quero a elas dirigir.
Pois, até sendo diversos,
seus nomes hei de lembrar,
quando um dia estes meus versos
resolver continuar.
 


(REBEL, Sandro Pereira. Subsídios para a história de um Calçadão.
Niterói: Muiraquitã, 1996.)








domingo, 22 de maio de 2011

Dalcídio Jurandir segundo José Cândido de Carvalho, literaturas singelas e telúricas

Quem são os “atores” da Renascença Fluminense? As postagens anteriores suscitaram perguntar como essa. Essas desejam saber se teríamos talentos que pudessem encabeçar a proposta de um renascimento da cultura literária fluminense (e, se caso houvesse, quem seriam essas figuras). As postagens que se seguirão a esta vêm responder a essas indagações. Apresentaremos alguns dos escritores que compõem o significativo cenário da literatura fluminense (sejam eles vivos-atuantes ou pertencentes a um passado ainda muito vigente). Consideremos homenageados os nomes aqui contemplados; estejamos, pois, preparados para o que é reconhecido como o melhor e o mais louvável na literatura feita no Rio de Janeiro.


                                 (José Cândido de Carvalho na caricatura de Appe) 


Dalcídio Jurandir: Um homem do país das águas


José Cândido de Carvalho
É uma das criaturas mais simples deste país de gente importante. E também um de seus maiores escritores. Antigamente, de pés descalços e braços nus, corria pelas campinas de Marajó atrás das borboletas azuis que não eram de Casimiro de Abreu. Hoje, de borzeguins e paletó-saco, percorre a rua do Catete e anexos atrás da vida. É Dalcídio Jurandir. Um romancista tão grande como sua ilha.

A lua e a chuva

Veio do país das águas, de uma terra que Deus, em fim de obra, deixou sem retoques. Por isso Marajó ficou assim grandona, capaz de engolir vários países. Braba, tosca, mal saída da forma de Deus. Inchada! Não pensem que as noites de Marajó são como as outras noites. Que esperança! Quando a lua vem a furo é maior que a roda de um carro de boi! Quando chove nos campos da cachoeira é como se o Dilúvio voltasse! É a aurora do mundo à disposição de todos nós. De graça.

 

Sem pressa e sem atropelos


Não é fácil falar com Dalcídio Jurandir do Grão Pará. É um Jurandir arredio, bicho de concha, que aparece nas casas de livros na boquinha da noite. Olha um volume, olha outro, dá dois dedos de prosa ao famoso mercador Carlos Ribeiro, da Livraria São José, para desaparecer como veio. Suavemente, sem fazer barulho, que o lema desse mestre de modéstia é o mesmo de Valdemar Cavalcanti. Isto é, entrar na fila, não atrapalhar os outros. E assim tem vivido Dalcídio Jurandir. Sem atropelar ninguém.


A importância de usar pasta

Enfim, estou de Dalcídio Jurandir em pauta. Vou caminhando com simplicidade pela Rua São José. Cachos de cigarras desfolham dos pés de pau. À tarde começa a encerrar o expediente. Senhores apressados, tinindo em seus colarinhos, passam empurrando avassaladoras pastas. Dalcídio sorri para informar que sempre teve grande grande respeito pelos portadores de pastas. Principalmente pastas negras. No mínimo são diretores-gerais ou banqueiros em trânsito para os dez por cento ao mês. No mínimo!

Farinha-d’água dos seus beijus


Conversa vai e conversa vem. Pergunto pela sua bem trabalhada e lavrada existência de escritor. E Dalcídio:

− Mal ou bem, venho mergulhado nesse barro há mais de trinta anos, seu doutor. Todo o meu romance, distribuído em vários volumes, é feito, na maior parte, da gente mais comum, tão ninguém, que é a minha criatura de Marajó, Ilhas e Baixo Amazonas. Um bom intelectual de cátedra alta diria: são as minhas essências, as minhas virtualidades. Eu digo tão simplesmente: é a farinha d’água de meus beijus. A esse pessoal miúdo que tento representar em meus romances costumo chamar de aristocracia de pé no chão. Modéstia à parte, se me coube um pouco do dom de escrever, se não fiquei por lá, pescador, barqueiro, vendedor de açaí, o pequeno dom eu recebo como um privilégio, uma responsabilidade assumida, para servir aos meus irmãos de igapó e barranco. Entre aquela gente sem nada, uma vocação literária é coisa que não se bota fora. A eles tenho de dar conta do encargo, bem ou mal, mas com obstinação e verdade. O leitor que acaso folheie um dos meus romances pode logo achar o estilo capenga, a técnica mal arranjada, a fantasia curta, mas tenha um pouco de paciência, preste atenção e escute um soluço, um canto, um gesto daquelas criaturas que procuro interpretar com os pobres recursos de que disponho.

E, a propósito, lembra Dalcídio Jurandir de seu velho tio de Cachoeiras, barbeiro e cozinheiro, uma espécie de Brillat-Savarin de comarca, gênio de um prato só: o picado fradesco. E Dalcídio: − Não tenho no romance as malhas da perícia que tem meu tio na cozinha. Mas vou fazendo, a meu modo, o meu picado fradesco...

Para no meio da rua, diz que está falando demais, que a tarde despenca muito bonita para a gente tratar de coisas de letras redondas. E volta ao Jurandir bicho de concha. Quase sem fala. De corda quebrada.
(...)”

(CARVALHO, José Cândido. Ninguém mata o arco-íris – 35 retratos em 3x4. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1972. p. 55-58.)

(Dalcídio Jurandir em caricatura assinada por Appe)


Esta postagem é dedicada, In Memoriam, a José Roberto Freire Pereira, articulista literário e curador da obra de seu pai, o modernista Dalcídio Jurandir. José Roberto lutava pelo resgate da obra do pai e escolheu Niterói para desenvolver seu trabalho.

José Roberto Freire Pereira
1941-2011


Conheça mais da Obra de Dalcídio Jurandir
e do trabalho de José Roberto Freire Pereira em:




Conheça mais da obra de José Cândido de Carvalho em: