sábado, 4 de junho de 2011

Belvedere Bruno, escritora revelação nas letras de Niterói

Desta vez, sem palavras introdutórias. Passemos rápido à prosa de Belvedere Bruno. Ela fala por si só:



A medida dos dias,

Belvedere Bruno

Eram dias pesados aqueles. Rabiscar palavras, cortar frases, substituir adjetivos. Fechasse eu os olhos subitamente, para sempre, algo mudaria? Para onde fui, onde escondi meu eu, em que abismos mergulhei , para cair nesse ostracismo?
O telefone toca. Há uma espécie de mimetismo rondando os meus dias - telemarketing, sirenes, buzinas, tragédias anunciadas. Nada de novo. Sequer um cântico que me desperte. É como se, aos poucos, sem querer, me enquadrasse nesse mundinho abjeto, cujo roteiro não permite mudança, mínima que seja. Adapto-me de forma que já não tenho personalidade. Faço parte de cada objeto, situação, e sigo as regras.
Há, aqui, um espelho lateral que me permite observar as inúmeras mudanças ocorridas em meu corpo, à medida que, inconscientemente, fui me desvencilhando de meu eu. Vampirismo ou coisa similar? Sinto vontade de reagir, quebrando-o, mas dizem que quebrar espelho é igual a sete anos de azar. Além disso, ele não mente. Paciência, porém me intriga pensar que esse ser amorfo seja eu.
Bebo um gole de água. Minha boca está seca, tal qual a minha alma. Entrego-me passivamente, quem sabe, por medida de segurança? Levanto-me e, através da janela, vejo o corre-corre das crianças no parquinho, a movimentação do dia a dia, mas tudo isso faz parte do mais antigo dos cenários.
Nada tenho a anunciar. Desconecto-me. Fecho as cortinas e, imersa na escuridão de meu quarto, penso em como essa vida é sem sentido
 
 
Belvedere Bruno nasceu em Niterói/RJ, onde reside. Cedo despertou para as letras, graças ao incentivo do pai, que sempre presenteou os filhos com livros. Atualmente, dedica-se às prosas, gênero onde mais se identifica. Tem várias antologias publicadas, como diVersos - Scortecci, @teneu.poesi@ - Scortecci, Com licença da palavra - Scortecci, O Conto Brasileiro hoje - Volumes VIII, Volume X e Volume XII - RG Editores. Tem publicações em diversos jornais da cidade, assim como em outros estados, e mesmo no exterior. Vinho Branco, safra especial de contos e crônicas, seu voo solo, será lançado em maiode 2010.



Belvedere Bruno: Um debut literário regado a Vinho branco


Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

A mesa foi posta com ansiosa antecedência, a luz baixa das velas e as rosas vermelhas dão um toque de classe ao ambiente e favorecem a proximidade. A garrafa escolhida a dedo já foi para o balde com gelo, mas a atmosfera só se instaurará depois de um brinde. Quem levanta a taça desta vez é Belvedere Bruno, escritora que com Vinho branco, safra especial de contos e crônicas (Livro pronto, 2010) estreia em nossa cena literária.
A obra – cuja principal virtude é a heterogeneidade – traz contos e crônicas em uma disposição artesanal de temas que compõe um cenário repleto de graça (de modo a lembrar copos de cristal com decoração variada numa mesma bandeja). A simplicidade, que faz do livro um trabalho muito verdadeiro e sincero, não prescindiu ali da ousadia. Nossa novel-escritora abre o livro de uma maneira inusitada, causando um impacto estético que precisa ser conferido, mas, sobre isso, a única pista que daremos é a indicação de que a autora sabe que certa dose de suspense (à Poe) bem pode amplificar o deleite da leitura por vir.
Um alerta: não se deixem seduzir pelos títulos, muitos deles são pistas falsas, e onde se espera “Uma mulher, infinitas escolhas”, será possível encontrar a crueza do confronto entre a fealdade humana e a esperança que a vida teima em cultivar; quem vai à procura da prosa intimista e sensualista prometida em “Beleza e sedução” e “Vinho branco” (que nomeia e justifica o título do livro) talvez se depare com uma reflexão existencial, mais sentida do que teorizada; por outro lado, quem julga dever evitar uma crônica com o título embaraçante de “A bengala”, pode estar perdendo a singela ficção que retrata o cotidiano de mãe e filha. No mais, afetos tempestuosos se ocultam por trás de títulos como “O homem e as flores” e “Metamorfose”. Deste último, registremos aqui uma pequena prévia (uma isca, se assim quiserem): “Aquele silêncio, só quebrado em situações especiais, trazia, enfim, a convicção de que se relacionava com um monólogo. Sabia sobre a existência de silêncios enriquecedores, com mais significados que palavras, porém não era o caso. Procurara avidamente motivações que a convencessem a continuar protagonista naquele enredo”. Apesar das indiscrições feitas aqui, por mim, as 119 páginas de prosa que integram o livro ainda constituem inesgotável reserva de surpresas ao leitor.
É uma festa o livro que a autora nos preparou. Nele há o espaço para o flerte sutil com a linguagem, e experiências estéticas que espocam de cada página como fogos de artifício em um parque!
Influências?! Só de longe... em traços não muito nítidos: Artur da Távola ou seria Fernando Sabino? Dalton Trevisan?... Difícil precisar. Há ali um estilo próprio em formação que deverá se consolidar nas próximas obras que certamente virão.
Belles Lettres, Belvedere! – No sorriso franco de seu livro, mais que um convite, uma promessa literária.