sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Para quem não vai à Bienal no fim de semana, viajar com Renato Augusto Farias de Carvalho é um bom programa.



Uns dias serenos




Viajar é uma ação renovadora, sempre. Pressupõe desamarrar (pré)conceitos e esquecer inevitáveis comparações. Mais que tudo, viajar é redescobrir, é surpreender-se. Encontro, dessa feita, uma Europa escaldante, sob um céu ocre avermelhado, que parece igualar todos os rostos, inflexivelmente escondidos em enormes lentes escuras. É, sem dúvida, o reino do Sol. Mas, os jardins de Portugal não revelam queixumes: a maioria tem as relvas espontaneamente verdes, uma espécie misteriosa de reserva dos dias mais frescos. Encanta-me, a pátria de Camões, de Fernando Pessoa, de Amália Rodrigues, de Maria Aliete Galhoez, de Agustina Bessa Luís e de Fernando Namora, que eu li, por obrigação, nos velhos tempos de exame vestibular. É bonito sentir-se a alma nova de um país que busca a própria modernidade sem perder respeito e amor às estruturas sociais, costumes e tradições. Procuro entender Portugal como deve ser: a um tempo simples e sofisticado, Portugal europeu. O Rio Douro parece invenção poética, margeando milhares de parreiras, matrizes do abençoado vinho do Porto. Permanecem serenos, em Lisboa, o antigo elétrico, o apaixonado fado, a imponência dos teatros na velha Baixa, os edifícios da universidade, próximos à Torre do Tombo, e admiro, sobretudo, os ideais literários e políticos de uma juventude atenta às expressões de liberdade e de desprezo às amarras das ditaduras. As azulejarias das pequeninas estações ferroviárias refletem a romântica preservação da alma portuguesa, enquanto os comboios passam rápidos, reconduzindo-nos, contrariamente, aos antigos e descansados acenos de um tempo de ontem, registrado apenas nas imaginações.
Revejo o Castelo de Guimarães, onde nasceu o 1º rei – D. Afonso Henriques – e vou percorrendo as ruas e ladeiras da histórica cidade do Porto, e Vila Nova de Gaia. Procuro, com cautela, o eterno Café Majestic e a maravilhosa Livraria Lello... No norte, não se pode esquecer as cidades de Aveiro, Viseu, Lamego, Penafiel, Régua, tampouco a Várzea de Ovelha, no Conselho de Marco de Canavezes, onde nasceu a pequena notável: Carmem Miranda. Guardo um carinho especial à minha tão íntima Vila de Lousada e às terras vulcânicas das Termas de Alcafache. Trago, por fim, na bagagem, alguns exemplares do excelente JL – Jornal de Letras Artes e Ideias – um quinzenário informativo português, que demonstra o interesse pelo movimento intelectual lusitano da atualidade. Não posso deixar de citar os museus portugueses, referência especial ao Museu da Cidade e ao Calouste Gulbenkian, construído “para receber a Coleção de Arte do grande financeiro armênio”, contando mais de 7000 objetos de arte: é visita obrigatória, de, pelo menos, um dia inteiro. Deixo Portugal com alma e coração enriquecidos em direção a Veneza, e vamos alcançando a Croácia, Tunísia, a irresistível Madeira e suas verdejantes montanhas, as Canárias, a doce Málaga... E retorno ao inquestionável murmurinho sempre azul-forte da nossa costa brasileira. O vento é morno, assobia abraços e lá se vêm o Recife de Manuel Bandeira e João Cabral, a Bahia de Mãe Menininha, e Jorge Amado... Até chegarmos às costas do irmão Pão de Açúcar – nosso Rio de Janeiro: alegria da volta, da casa, dos amigos, e um sussurro meio confuso de muitas notícias (que nem queríamos ouvir!) a respeito de desafetos, desacordos e páginas policiais... Entretanto, é aqui, aqui mesmo, onde mora a esperança verde e amarela que nós aprendemos a cantar e reter desde crianças.



Divulgação Cultural
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terça-feira, 30 de agosto de 2011

"A cor inexistente" na mediação entre Pedrosa e Lucchesi




Imaginemos duas horas nas quais cores e palavras se misturassem numa mesma paleta, que intuições intelectuais e afetos gravitassem num mesmo ambiente, afinando ânimos e consolidando ideias. Duas horas nas quais a aula se transforma em culto à inteligência e a matéria se transubstancializa em autêntico saber. Uma aula assim só se torna possível se observadas três condições: 1. a acolhida de muitos, 2. a disposição de alguns e 3. a presença de uma generosidade única.

As fotos que se seguem retratam essa combinação de fatores durante a aula que o artista plástico Israel Pedrosa deu – a convite do Professor Marco Lucchesi – no encerramento do curso de Especialização, veiculado ao Projeto Museu da Vida, na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (29 de agosto de 2011):


Castelo Mourisco, símbolo maior da Fiocruz


Campus da Fiocruz em Manguinhos - RJ 



Marco Lucchesi, Israel Pedrosa e Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
nos momentos qua antecederam a aula.

O fraterno diálogo entre Lucchesi e Pedrosa


Marco Lucchesi apresenta Israel Pedrosa para seus alunos e
declara sua afinidade intelectual com o artista e teórico da arte.

“O autor tem todas as características dos maníacos, dos loucos, dos possessos, dos obsessos, dos obsediados, dos obsecados, dos obsessionados com a imensidão de sua racionalidade buscadora, e inquisidora e de sua emoção transfiguradora que o transformam num sábio e artista, às vezes até quase um santo, pois às vezes a miragem e o projeto de que se deixou motivar o levam a orações quase franciscanas de aparente ingenuidade, vale dizer, de pureza que não atemoriza os iluminados.”

Antônio Houaiss. Críticas, depoimentos e notícias.
In: Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: SENAC Nacional, 2009. p.240.


Pedrosa inicia sua aula falando dos anos de sua educação estética.

“Da cor à cor inexistente é o título do esplêndido livro de Israel Pedrosa, pintor e senhor de sua arte e que alcança dizer o máximo, e bem, com a maior clareza, sobre as teorias da cor, endereçando-se à prática profissional à experiência e à paixão do artista. Um livro para artistas, professores e estudantes de arte, para críticos e curiosos da arte e da pintura (...) Israel Pedrosa, com paixão pelo assunto e responsabilidade profissional, com capacidade excepcional de pesquisador, fez um estudo completo sobre a importância da cor e seus fenômenos interferentes na visão.”

Quirino Campofiorito, idem, p.241.


O pintor fala do convívio com o mestre Cândido Portinari nas décadas de 1940-60

“A vista inventa as cores, ou melhor, a vista metamorfoseia a realidade ao seu modo. E embora isso seja totalmente imaginário, é cientificamente constatável. É como nas narrativas fantásticas de Kafka e Garcia Márquez: nada daquilo existe (...) Esta obra deveria ser utilizada nas aulas de filosofia ou ser convertida em manual para a gente entender as verdades políticas e ideológicas que nos tentam impingir(...) Portanto, retomando o fabuloso livro de Israel Pedrosa, pode-se dizer que entre a cor e a cor inexistente estão todas as cores, sobretudo as imaginárias.”




"Você já reparou que que a cor preta na luz é mais clara que a branca na sombra?"
Com essa saudável provocação de Portinari, Pedrosa lançou-se em suas primeiras especulações cromáticas.

“Carlos Drummond de Andrade em uma de suas poesias indaga: ‘Como é o lugar/quando ninguém passa por ele?/Existem as coisas sem serem vistas?’ (...) Israel Pedrosa é um dos incontestáveis valores intelectuais de nosso país. Seu legado artístico e teórico forneceu subsídios para a criação de novos paradigmas estéticos, contribuições presentes no duradouro êxito de seu Da cor à cor inexistente.”





O artista e teórico da arte desfiou a rede de relações com a co presente em sua pesquisa original.
Segundo ele, a investigação que revelou o fenômeno da "cor inexistente" cobrou-lhe estudos de física teórica e um diálogo com o ensaio sobra a Teoria das cores, de Goethe.

“(...) se tudo é vibração, eu, como amigo de Israel Pedrosa e homem interessado na abertura de horizontes sempre novos ao conhecimento e ao progresso humanos, confesso que estou vibrando – e o digo sem falsa modéstia, pois o mais triste que pode haver neste mundo é ser incapaz de vibrar.”

Geir Campos, idem, p.244.



Israel Pedrosa conta que muito mais do que pesquisa, o estudo da cor demanda
o desenvolvimento de uma acuidade visual.


“(...) Tua contribuição enriquece e renova a paleta (talvez considerem anacrônico mencioná-la) que se conserva ainda na mão do homem, que o coração comanda. Tens à tua frente um caminho aberto. E tu o percorrerás com a mesma honestidade e modéstia que marcaram tua árdua escalada.”

Iberê Camargo, idem, p.244.




Luminosidade, percentual de cor, vibração, percepção... conceitos que Pedrosa precisou explicar demonstrando algumas experiências de sua pesquisa.

Na foto, Lucchesi acessora Pedrosa durante a demonstração com discos cromáticos.

“Agradável reabrir, de vez em quando, o envelope que trouxe a mensagem de boas-festas do Pintor Israel Pedrosa. E, dentro, comprovar que a cor inexistente existe mesmo. Pelo que se conclui muitas outras coisas ditas inexistentes, lá um dia poderão também existir, e com isto se alcançará não apenas a essência da harmonia cromática, mas a própria essência da harmonia universal.”







Pedrosa recorre às suas serigrafias para demonstrar o fenômeno da cor inexistente aplicado à arte.

Roberto Kahlmeyer-Mertens assiste Pedrosa durante a exposição.


As obras do artista despertam o interesse e entusiasmo dos alunos.

“(...) Pedrosa abriu caminho próprio a partir de uma descoberta a que ele deu o nome de cor inexistente (...). Pedrosa reduz a experiência estética ao aqui e agora das excitações da retina. E isto não impede, mas, pelo contrário, propicia uma tal intensificação do campo visual, que nos termina por desencadear uma carga de impacto e, por um instante que seja, nos fascina”.

Ferreira Gullar, idem, p.245.


Israel Pedrosa notou que por mais que desse cursos regularmente para difundir as ideias relativas à cor inexistente, havia a dificuldade de compreensão do fenômeno do público das artes. Essa falta de pré-requisitos Pedrosa procurou sanar escrevendo Da cor à cor inexistente.

Com Da cor à cor inexistente, Israel Pedrosa foi premiado pelo Instituto Thomas Mann na Alemanha.

Por causa do êxito de Da cor à cor inexistente, Israel Pedrosa forneceu acessoria a diversas emissoras de TV (no Brasil e na Alemanha) na época de implantação da TV à cores.
Este livro "nascido diante do cavalete" também rendeu-lhe o convita para coordenar a equipé que escrevia o verbete "cor", na Enciclopédia Mirador/Britânnica do Brasil.


“Excelente o discurso que Israel Pedrosa pronunciou por ocasião da reabertura do Museu Antônio Parreiras. Simples, objetivo, esse ilustre mestre de tintas, dos maiores do Brasil de hoje, fez o retrato 3 x 4 do fluminense Parreiras com inigualável precisão. Nem uma palavra a mais, nem uma a menos, Israel estava em dia de
Capela Sistina”.
 
 

Ao fim da aula, Marco Lucchesi agradeceu a participação do "filósofo da cor" em seu curso

  Pedrosa em um gesto amistoso resolveu sortear os livros entre os alunos presentes.

“(...) A boa verdade é que a sua condição de filósofo da cor assegura o título de pintor das ideias, de artista da renovação, de renovação no processo da arte (...) Saudamos, igualmente, sua obra escrita, notadamente os estudos de 1968, quando veio a público o que poderíamos talvez denominar Teoria e prática
do mistério da cor (...)”.

Marcos Almir Madeira, idem, p.246.



Diversos alunos foram agraciados com os livros com o conteúdo da aula

Também uma serigrafia do artista foi sorteada.

Pedrosa chegou a autografar livros

“(...) o ensaísta rigoroso e sutil caminhou com a mesma verdade e com a mesma demanda em suas Dez aulas magistrais. Pedrosa ultimou aqui sua genealogia. Homenagem a outros que vemos a si mesmo (...) Não sei de uma inquietação e de uma perfeição que convivam de modo tão harmonioso no mesmo ateliê, no misterioso refúgio de Israel, laboratório químico e teatro alquímico, buscando a clara geometria das coisas, em seus diálogos noturnos (...)”

Marco Lucchesi, idem, p.247.



Após a aula, o clima foi de descontração, contentamento e gratidão mútua.

Os professores Israel Pedrosa, Roberto Kahlmeyer-Mertens, Marco Lucchesi e a secretária Chistina Rivas



Fotos do grupo





Divulgação Cultural
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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

“Misael” – Crônica de paternidade e correspondência poética


Não é segredo o juízo que faço do livro Misael, fruto da mestria de A. Barcellos Sobral. Minha apreciação se encontra registrada em uma postagem anterior de Literatura-Vivência (confira). Por agora, devo ratificar que se trata de um livro de valor singular, algo que demorará a ser superado na cena literária fluminense. Fico feliz em não estar só nesta avaliação, poetas respeitados como Wanderley Francisconi Mendes, José Inaldo Alonso (além de outras personalidade das letras: Alceu Amoroso Lima e Antônio Carlos Villaça) têm o mesmo parecer sobre esta “crônica de uma paternidade”.
Recentemente encontrei na poetisa Neide Barros Rêgo outra admiradora de A. Barcellos Sobral. Neide (que foi responsável pela organização de algumas importantes antologias poéticas de nosso estado, como é o caso da memorável Água escondida – Poesia) é autora de uma carta que não só reforça o coro favorável a Misael, quanto nos fornece subsídios conhecer mais detalhes da recepção desta obra no ano de 1998.
A postagem de hoje, além de trazer algumas partes seletas de Misael (deixando que o leitor possa fazer também sua avaliação sobre a obra), traz a afetiva carta de Neide Barros Rêgo ao mestre A. Barcellos Sobral.





Fragmentos de Misael – Crônica de uma paternidade


                                                                                                                         A. Barcellos Sobral

10.
Aí vem ele. Acendrar, cada vez mais, o coração: que a luz se encharque de luz. Acender os olhos, as mãos. Lavar-me nas águas da tua serenidade, Senhor: inocência não ficará, junto de mim, como flor ao pé do espinheiro.
Não posso tanto perder-me da angelitude. É preciso que, entre dois extremos – ele e eu, haja coincidências brancas.

11.
Por fim ele chegou. Como diamante bacento, mal garimpado na gruna.
Veio batizado de sangue. Lágrimas houve de Inaiá. Lágrimas simples como o orvalho que rega a felicidade das flores.
Bendita seja a vida que o fez belo como o dia. Puro como a trapoeraba dos campos.
Bendita seja Inaiá – portão de ouro por onde ele entrou para habitar o enigma da vida.
As águas jogam-se no abismo para que as cidades se iluminem.

(...)

15.
Ah, o momento em que o ouvimos, pela primeira vez, o choro do filho recém-chegado!
Toque para acordar que põe em marcha, no curso da imaginação, um bando de futuros. Segunda vida reacendendo a nossa velha vida. Como se engenhoso infinito irrompesse de surpresa.

16.
Ele dorme enrolado no cobertor. Sono límpido, de rola, na acácia do jardim. Dorme ao lado de Inaiá, ainda cansada do sofrimento mágico de anteontem. Um contraste está armado sobre o leito generoso: a palidez da face que a tormenta machucou; e o róseo do anjo, incólume, intato como a manhã do campo.
Se eu pudesse dormir um instante com seu sono, quando acordasse explicaria ao homem o rosto de Deus.

(...)

18.
Misael. Assim o chamaremos.
Que seja esse o outro nome da bondade, da beleza e da verdade.
Esse nome é harpa da esperança. Nela ensaiamos o adágio da felicidade. Parece-nos um nome forte para dizer as fortalezas e delicados que lhe ensinaremos.

(...)

21.
Dizem que ele parece comigo. O eco reproduz e remenda a voz esmigalhada. A madrugada copia o amanhecer.
Parece que nos sentimos mais vivos, na vida de nossos filhos, quando algum deles demonstra alguma parecença conosco. No físico, no temperamento ou no caráter. Ver-nos duplicado ou triplicado em algum de nossos filhos como que dilata nosso tempo existencial. Prova nossa força geratriz, sua preponderância sobre as demais que influem nos secretíssimos processos genéricos.
O filho que se parece conosco é como um parceiro, um cúmplice que prolonga nosso sentimento de vida, nossa presença entre as demais presenças humanas.

(...)

26.
O sorriso de Misael encanta como um rasgo de infinito.
O girassol acompanha o movimento furtivo do Sol. Eu sigo os jeitos e alegrias de Misael, que está viçoso como capim, às margens úmidas do ribeiro.
Felicidade inédita, esse captar a delicadeza. A pequenina imensidade. O existir suculento de Misael.

(...)

30.
Os olhos de Misael são dois candeeiros que iluminam a claridade do nosso quarto.
Seus lábios estão a ponto de descobrir a volúpia da palavra. Neles ainda zumbe a abelha da inocência.
Ele aprendeu a levantar e sacudir os braços tênues. Balança-os como o vento balança as hastes do tinhorão que Inaiá plantou atrás da casa.
Quando ele ri, o rosto se acende como céu de verão.

31.
Ao isolar-me para escrever, tenho a impressão de que não devia fazê-lo. De que estou em prejuízo.
Deixando Misael, a fim de escrever estas notas, sinto-me como se deixasse o ouro pelo cobre salpicado de azinhavre.
Valerá a pena trocar, por alguns momentos, a obra da carne pela obra do espírito? Metafísica nenhuma seria capaz de resolver esse doce problema.

(...)

34.
Que quer ele, ao levantar os braços flutuantes e balançá-los, no ar, como dois pêndulos tontos, desencontrados, quando dele aproximo meu rosto? Às vezes, penso que se sente atraído pelos meus cabelos, e coloco-me de modo que ele possa tocá-los. No entanto, quando ele os alcança, recua. Como se eles queimassem seus dedos. Assim faz o pássaro ferido, À aproximação das mãos que tentam recolhê-lo, na moita onde se abrigou.
Outras vezes, penso que ele gosta desses balanceios, a ponto de fruí-lo com os músculos e nervos calouros.
Em nada ele toca com esses gestos quase sonâmbulos. Com estes, certamente, exercita-se o ritmo existencial. A dinâmica que, um dia, ele executará nas suas rondas, na sua temporada de adulto.
Os braços, ainda cegos, de Misael são um colar que perdura o céu em volta de meu pescoço.

35.
Filhos são metástases de tempo que a vida desprende e usa para compor e recompor o rio da sua duração, dentro da eternidade do universo.

(...)

(SOBRAL, A. Barcellos. Misael – Crônicas de uma paternidade.
Niterói: Cromos, 1996.)



Carta de Neide Barros Rêgo a A. Barcellos Sobral (datada de 1998)

                                                                                                                             Neide Barros Rêgo

Prezado Sobral:


Com o meu pedido de desculpas pela demora em pronunciar-me, aqui estou para expressar-lhe a minha gratidão pelo envio de seu livro “Misael – Crônica de uma paternidade” e dizer-lhe o quanto apreciei sua oferta.
Agradeço, sensibilizada, a gentileza de enviar-me sua mais recente publicação, da qual foi portadora uma amiga muito especial – Mila Barbosa.
Foi um presente precioso. Embevecida, li e reli vários tópicos, os quais pretendo ler muitas vezes.
Seu Misael exerce sobre nós o efeito da água fresca, quando estamos sedentos; do alimento saboroso, quando estamos famintos; da música suave, quando necessitamos de paz, bem-estar, repouso em cama aconchegante de quarto silencioso. Misael nos enleva e nos eleva.
Bem-aventurados os mansos porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurado você, Sobral, cuja alma pura tem a mansidão dos santos e dos anjos. Em você há suavidade, delicadeza de sentimentos.
No mundo estressante de hoje, de correrias, preocupações, ansiedades, pressa, medos, violências, torna-se quase impossível acompanhar-se com tranquilidade o crescimento de nossos filhos. E você o fez, até mesmo antes de eles passarem pelo “portão de Inaiá” para ver a luz do dia.
Vocês saborearam o sono tranquilo, o trocar de fraldas, o efeito da música, o fechar dos olhos, o erguer dos braços, o ficar de pé, o interesse pelas novidades, as descobertas, os passeios, as curiosidades, as experiências.
De você e de Inaiá os filhos receberam, diuturnamente, dedicação, paciência, bondade, compreensão. Dotado de sensibilidade, e com a arte de um exímio escritor, um verdadeiro poeta, você consegue passar todas as suas emoções para nós, leitores. A riqueza literária passeia por todo o texto. Passeia e permanece. Seu texto é pura seda. Seda pura.
O livro encantou-me desde a dedicatória a Inaiá e a seus filhos. Encantou-me da primeira à última página. “Se não olharmos para o alto, não veremos as estrelas.” Emocionei-me com tanto Amor e tanta Beleza.

Deus o abençoe.
Neide Barros Rêgo







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