sábado, 24 de setembro de 2011

Garimpando no sebo e outras ponderações





Cunha e Silva Filho

Não sou leitor compulsivo, mas, dentro do meu ritmo, procuro, ainda que tardiamente, dar conta de algumas leituras fundamentais. O importante é o preparo, com critério seletivo. A leitura, uma atividade intelectual in process, ou aproveitando a quase sutileza de quem disse que nunca se sabe ao certo quando acabamos a leitura e um Guimarães Rosa (1908-1967) ou de um Clarice Lispector (1920-1977) São escritores múltiplos, formuladores de enigmas.
Porém, não é minha intenção aqui nessa conversa analisar aqueles dois ficcionistas. Deixarei para o espaço do ensaio. Quero-lhe falar, leitor – longe de mim pluralizar este termo – teria que brigar com os leitores de Machado de Assis.O que é pior, por cima de tudo, não sou ficcionista – hélas! – mas o que hei de fazer se os deuses da prosa não me bafejaram com o talento dos que têm criado, bem ou mal, mundos de criaturas “de papel”?
Estive, hoje, no Centro do Rio, e para não quebrar a regra, deu um pulinho na velha São José, um dos mais antigos sebos cariocas. Só o proprietário, o Germano, tem sessenta anos de atividade nesse ramo de venda de livros.
Desta vez, comprei muito pouco, pouquíssimo.A safra não estava boa no terreno das letras. No velho sebo da São José já houve dias gloriosos, com um oferta de fazer inveja a qualquer bibliófilo ou bookworm. “Garimpei” aqui, “garimpei” ali, e dei de cara com dois autores, antigos tanto quanto a São José e o seu acervo: um velho livro que há anos queria comprar, do filólogo Silveira Bueno, Manual de califasia, califonia, calirritmia e arte de dizer ( 4.ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1952) O outro, As fontes da criação literária, de Carmelo M. Bonet. 1 ed. Tradução de Antonio G. Gonçalves, (São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1970). Óbvio, que a São José também vende livros novos, mas a sua especialidade é o sebo que, por sua vez, torna-se o ganha-pão do livreiro.
Por falar em livro usado, o Germano lamentou que as vendas estão em baixa. A coisa está preta. Já fecharam sebos conhecidos no Centro do Rio. Não, só sebo, uma livraria i importante como a Martins Fontes, que também é editora de grande porte, fechou seu endereço na principal avenida do Rio, a famosa Avenida Rio Branco. Mau sinal para o comércio dos livros. Essa livraria mudou-se para a Zona Sul carioca. Antigamente, entrar na seção de livros estrangeiros da Martins Fontes era um grande prazer: o tratamento dado ao cliente era nota dez. O nível de atendimento foi caindo, caindo... até chegar àquele desfecho amargo. Não sei não, contudo prevejo que há o dedo aí de outros modos de vender livros, cujo principal responsável seja talvez a Internet.
Não culpemos só a Internet. Pode estar havendo uma decadência de poder aquisitivo da população. O livro é produto caro, mesmo o do sebo. Há também a concorrência forte de livrarias online, brasileiras e estrangeiras. Com vendas remetidas pelos Correios, o cliente, um pouco acomodado, prefere fazer a encomenda via Internet.
Um outro agravante, a meu ver, seria um certo desinteresse geral por obras antigas (dirá melhor estudos antigos) em determinadas áreas do conhecimento humano. Vejamos no terreno dos estudos lingüísticos, filológicos. Basta dizer que, numa recente conferência, a que assisti na Academia Niteroiense de Letras o filólogo Maximiano de Carvalho e Silva, professor emérito de língua portuguesa da Universidade Federal Fluminense, a certa altura de sua exposição acerca de aspectos culturais de Niterói, sobretudo a constituição dos cursos de letras e seus fundadores, mencionou o triste fato de que alunos (e bem provavelmente alguns professores universitários, diria eu) não dão tanta importância a alguns teóricos de um passado não tão remoto assim, tais como os já falecidos Said Ali, o português Herculano de Carvalho, Serafim da Silva Netto, Sílvio Elia, (vai ver até que venham a incluir o grande linguísta Mattoso Câmara Jr. e outros autores tidos por eles como desatualizados para os estudos linguísticos de hoje). Ora, isso não passa de um absurdo e de falta de alta visão diacrônica da linguística e da filologia numa época, a dos dias que correm, em que o que mais importa é o imediatismo, a sincronia de um saber afundado, algumas vezes, na superficialidade do “primado do instante”, para usar, mais uma vez, o título de um artigo meu escrito há um bom tempo.
Se o aluno de letras hoje persistir em votar sentimento de indiferença pela filologia e pela história das teorias linguísticas estará construindo castelos de areia O conhecimento filológico e o estudo das humanidades clássicas nunca serão matéria morta, mas sim matéria arqueológica viva que deve ser dominada e conhecida pelas gerações atuais. Sem os estudos helênicos e latinos estará em perigo toda uma vasta cultura erudita que deverá ser cultivada por jovens estudiosos do presente. Imitemos o que seja bom neste aspecto os países adiantados da Europa e mesmo dos Estados Unidos e de certos países das outras Américas.
Enquanto isso, Germano se queixa e com razão. O custo do aluguel de espaço para um a livraria no Centro do Rio é muito caro e a tendência é encarecer mais cm as modificações que essa parte da cidade vai sofrer. Falam da construção de shopping centers. Os olhos dos senhorios vão crescendo. Business is business, friends apart! Não há amizades ou concessões de descontos quando o negócio é aluguel.
Saí da livraria um pouco triste com o que ouvi sobre a situação dos sebos e da vida do livro em geral, aí incluindo alunos, professores, pobreza de ideias, escolas públicas de baixa qualidade, desamor às grandes obras e autores e um certo enfado de estar vivendo no meio de tudo isso. Aproveitemos para refletir sobre tudo isso e.... a comprar e ler os livros com o respeito que merecem. Que me perdoem a casmurrice!


Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O que foi feito da Sala Luís Antônio Pimentel?...



Fachada da Biblioteca Pública de Niterói - BPN

No último dia 18 de setembro, recebi esta mensagem do jornalista, historiador e acadêmico Emmanuel de Macedo Soares:

 
“Caro Roberto,

Escrevi esse desabafo pensando no teu blog, que é hoje, sem favor, o melhor microfone de todos nós que nos metemos nesse inglório e doloroso fazer cultural.
Meu objetivo não é a crítica (pura ou impura) a quem quer que seja, embora o gesto idiota da Secretaria Estadual de Cultura  o mereça, mas sim despertar as manifestações deste teu público atento e participativo num desagravo coletivo ao nosso tão querido e tão indispensável Pimentel.
Deixo a teu critério, é claro, aproveitar ou não o escrito.

Grande abraço

Emmanuel”


O texto que se seguia à mensagem versava sobre um tema que todos comentam timidamente desde que a biblioteca estadual foi reinaugurada, mas que ninguém se encorajou a falar abertamente. Trata-se da retirada, depois da reforma, da placa que registrava a existência da Sala Luís Antônio Pimentel, naquele prédio (assunto que bem poderia ser estendido ao nome da Biblioteca que passou a não mais chamar Biblioteca Estadual Geraldo Montedoneo Bezerra de Menezes) para chamar Biblioteca Pública de Niterói – BPN.
Entendendo que a questão levantada pelo texto é isenta de qualquer interesse político menor, que não fustiga qualquer figura individualmente, e que demonstra o legítimo anseio por entender o motivo da retirada do nome de Luís Antônio Pimentel (personalidade que traduz longo e importante capítulo da cultura niteroiense) é que o texto é publicado em Literatura-Vivência.
É preciso lembrar que, em nosso meio, o termo intelectual, não raro, é utilizado em sentido lato (intelectual seria um indivíduo que atraiu para si a reputação de bom leitor, de indivíduo cuja inteligência se destaca da maioria, alguém com alguma cultura literária acumulada após ter vivido muitos anos de idade e até – pasmem – alguém que possui muitos livros...). Deste modo, na mesma proporção que preciosista e ingênua, ela é também equívoca e errônea, justamente por desconsiderar uma característica sem a qual o intelectual jamais poderia ser assim conhecido. Que característica seria essa? Resposta: a intervenção pública em favor da sociedade que este – mesmo sem mandato – representa (um intelectual sem intervenção pública se resumiria a ser um professor, um literato, um erudito, um orador de ocasião ou um medalhão na sociedade).
Literatura-Vivência, enquanto fórum de debates democráticos, entende ter obrigação política solidária junto aos membros da comunidade letrada; reserva-se, portanto a atitude racional, autônoma e crítica, além da intervenção pública toda vez que isso for necessário. Apenas assim pode pretender-se um espaço intelectual (stricto sensu).
Por sua vez, sem pretender ser a fala da sociedade, a intervenção de Emmanuel Macedo Soares não apenas buscar a compreensão das motivações do fato, quanto pró-voca (sic) a discussão, junto à comunidade letrada de Niterói, sobre este episódio de interesse coletivo.
O “desabafo” de Emmanuel Macedo Soares, na íntegra, é o que temos a seguir:



O que foi feito da Sala Luís Antônio Pimentel?...




Soube, por um amigo, que a Secretaria Estadual de Cultura retirou de uma das salas da Biblioteca Estadual o nome do nosso emblemático Luís Antônio Pimentel, sob a alegação de que a lei proibe homenagens a pessoas vivas.
Os governos em nosso país, como todos sabemos, são muito rigorosos no cumprimento das leis. A lei proíbe o cidadão de roubar e matar, e como o governo é um cumpridor intransigente da lei, vivemos nesse paraíso em que não há ladrões nem assassinos. Os poucos que aparecem são rigorosamente punidos com séculos de prisão.
Os nossos hospitais funcionam magnificamente, porque o governo cumpre religiosamente a constituição e as leis que garantem ao cidadão o direito à saúde. As escolas, nem se fala. Oferecem um ensino de altíssima qualidade, porque assim manda a lei e o governo é um fiel cumpridor das leis.
Mas vamos e venhamos. Eu cansei de cruzar na Avenida Amaral Peixoto com o comandante Amaral Peixoto, a caminho do PSD, que ali tinha sede. Vi o embaixador Paschoal Carlos Magno inaugurar no campo de São Bento o Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, aos beijos e abraços com um rapaz muito distinto que na falta de emprego melhor nomearam prefeito de Niterói. Não faz muito tempo, também vi o juiz Alédio Vieira Braga assistir a inauguração do Forum Trabalhista que leva seu nome em Niterói. No Rio de Janeiro há um autódromo com o nome de Nelson Piquet, que pelo menos até este momento em que escrevo ainda está vivo.
Por sobre isso, é infinita a quantidade de plaquinhas com que governadores, secretários, diretores e subdiretores disso e daquilo tentam imortalizar seus nomes toda vez que inauguram alguma obra pública, sem dar as mínimas para as leis. É bem capaz de até haver alguma na nova Biblioteca Estadual de Niterói.
Aliás, também o nome de Matoso Maia foi retirado da sala que apadrinhava, talvez porque a secretaria não saiba quem foi Matoso, ou ignore que ele já morreu.
Há exatos 50 anos eu conheço e convivo com o Luís Antônio Pimentel, e sei que ele está pouco se lixando para o gesto grosseiro da secretaria dita de Cultura. Sua imortalidade não depende nem precisa de plaquinhas. Não foi conquistada pelo fato de ser filho ou neto ou sobrinho de nenhum político, mas pelas obras que escreveu, pelas aulas que ministrou formando tantos jovens, e sobretudo pela irretocável conduta como ser humano, que felizmente ainda hoje serve de exemplo a todos nós.