quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Projeto "Livros que marcaram Niterói" ("Niterói e a fotografia (1858 – 1958)", Org. de Pedro Vasquez)



Convicto do brocardo lobatiano segundo o qual “um país se faz com homens e livros”, tentei elencar, de memória, aqueles títulos que eu acreditava representar bem a cultura literária de Niterói. Consultando várias pessoas ligadas ao meio acadêmico de minha cidade, foi curioso o fato de minha lista coincidir com os títulos apontados por aqueles conhecedores de livros. Diante desta coincidência (ou deveria dizer “feliz serendipidade”), animei-me, sem maiores pretensões, a apresentar quinzenalmente alguns dos livros que teriam, de algum modo, marcado a cena literária niteroiense. Livros que trouxeram contribuições substanciais em alguma área, inovações, resgates, celebrações de datas festivas da cidade e que, até, ficaram conhecidos pelas polêmicas que causaram. Em todos esses casos, o valor literário ou histórico foi o que deu o critério para essas escolhas que – longe de serem completas – serão singelos afagos na cultura de nossa cidade.

Em cada quinzena, o leitor de Literatura-Vivência poderá conhecer, no Projeto “Livros que marcaram Niterói”, um pouco mais das nossas letras.

Capa de Niterói e a Fotografia


Em seu Cartas a um Jovem poeta, Rainer Maria Rilke recomenda que, num livro de poesias, devemos saltar prefácios, introduções e outros aparatos críticos de modo a ir diretamente aos poemas. Diante do livro enfocado hoje – obra preciosa organizada por Pedro Vasquez – sinto-me tentado a seguir o conselho de Rilke: pular as notas e ir direto à bela poesia contida em cada uma de suas fotos. Entretanto, Niterói e a fotografia (1858 – 1958) além de um livro de arte é um livro de história e se faz necessária a notícia sobre sua confecção,[1] enquanto esclarecimento histórico.


* 

Niterói e a fotografia (1858 – 1958) foi lançado em 1994 por iniciativa de Dora Silveira, então responsável pela Niterói Livros. Sua organização, a cargo de Pedro Karp Vasquez foi difícil, em virtude da falta de recursos, de tal forma que começou na primeira administração de Jorge Roberto Silveira, mas só saiu na de João Sampaio.
Faziam parte do projeto original dois outros autores: Almiro Baraúna e Décio Brian, com imagens que cobriam o naufrágio do Camboinhas (que deu nome àquela porção de praia, antes pertencente à praia de Itaipu); mostravam a colina que existia na área onde hoje se ergue a Igreja Santuário das Almas; em como a estação das barcas inteiramente destruída pelo fogo. Editorialmente foi uma pena, mas o trabalho não foi inteiramente perdido, já que essas fotografias (adquiridas para o livro) foram incorporadas ao acervo da Fundação de Arte de Niterói, estando, portanto, à disposição dos pesquisadores da história da cidade.
Esse livro nunca poderá ser reeditado, muito embora já se tenha pensado nisto, tendo em vista o fato de que a edição foi esgotada em apenas seis meses: saiu no final de junho e acabou no Natal, basicamente pelo fato de ser o único livro de fotografia sobre o passado de Niterói amplamente ilustrado. [Não podemos esquecer o do próprio Jorge Roberto Silveira, melhor e mais bonito, mas que é de pintura e, portanto, não tem aquele charme passadista da fotografia em que você pode ter a surpresa -- como ocorreu -- de reconhecer seu austero vovô soltando a franga num bloco de travestis].
Niterói e a fotografia (1858 – 1958) é do tempo do fotolito e foi impresso em uma única passagem em máquina, não tendo a qualidade técnica exigida hoje (quase vinte anos depois) para os livros de fotografia histórica, que são quase todos impressos em quatro cores ou, no mínimo, em bicromia.
Seria necessário reproduzir ou escanear todas as imagens, o que encareceria demasiadamente o custo da obra, enquadrando-a na categoria de "livro de arte", à qual não pertencia. Era uma simples crônica visual de Niterói e vendeu bem porque tinha preço acessível.
Com o passar do tempo surgiram diversas outras fotografias importantes que não eram conhecidas no início da década de 1990, quando efetuei a pesquisa. Assim, seria necessário corrigir os erros, esclarecer as imprecisões e, sobretudo, acrescentar os novos dados coligidos, bem como as imagens que emergiram no entrementes, de uma forma tal que o livro (mantendo o mesmo período de 1858 a 1958) teria que no mínimo dobrar de tamanho. Em resumo: não seria o mesmo.
Dois colecionadores que cederam graciosamente imagens de suas respectivas coleções faleceram: Gilberto Ferrez e Dr. Pedroso. No primeiro caso seria fácil ter acesso às imagens (pagando caro pelo que antes foi cedido gratuitamente), pois sua coleção foi incorporada ao acervo do Instituto Moreira Salles.


[1] Texto estabelecido sobre as notas do organizador Pedro Vasquez, a quem registramos um agradecimento cordial por ter cedido gentilmente o material para esta postagem.


                      George Leuzinger ¾ São Domingos, c. 1865. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles].
Suíço radicado no Rio de Janeiro Leuzinger foi o primeiro a expor vistas do Brasil na Exposição Universal de Paris de 1867 (juntamente com Albert Frisch ¾ com fotografias do Amazonas ¾ também representado pela Casa Leuzinger). Leuzinger mostrou justamente um conjunto de vistas das cidades do Rio de Janeiro e Niterói, do qual, possivelmente, fazem parte as duas vistas de sua autoria aqui reproduzidas.


Marc Ferrez ¾ Jurujuba com o Pão de Açúcar ao fundo, c. 1890. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles]. Uma das mais belas e misteriosas imagens produzidas no Brasil oitocentista, essa vista ilustrou a capa do mais completo livro consagrado à sua obra: O Brasil de Marc Ferrez, obra coletiva organizada por Sérgio Burgi e editada pelo IMS.


Marc Ferrez ¾ Jurujuba, vendo-se ao fundo o Pão de Açúcar, a Pedra da Gávea e o Corcovado, c. 1890. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles].
Carioca, Marc Ferrez era filho de um dos integrantes da Missão Artística Francesa (o escultor Zéphirin Ferrez). Foi o único a ser agraciado com o título de Photographo da Casa Imperial e a se preocupar em afirmar sua condição de paisagista numa época em que a fotografia profissional era dominada pelo retrato.


Juan Gutierrez ¾ Interior do Forte do Gragoatá durante a Revolta da Armada, vendo-se, à esquerda, o slogan “Viva a República” pintado no muro, c. 1894. Coleção Museu Histórico Nacional.
Apesar de ter nascido Vila Real da Praia Grande, Niterói se alinhou com os republicanos durante a Revolta da Aramada, resistindo bravamente ao cerco dos insurretos e, por isso, merecendo o título de “Cidade Invicta”.


Florindo Siqueira ¾ Teatro de Santo Antônio na rua de São João, c. 1875. Coleção Emmanuel de Macedo Soares.
Segundo nosso amigo Emmanuel, detentor das únicas três fotografias conhecidas de Siqueira (duas das quais ele gentilmente me autorizou a reproduzir), esse teatro permaneceu em funcionamento entre 1874 e 1881.


Conde de Agrolongo  Jardim Pinto Lima (popularmente conhecido como Jardim São João), c. 1895. Coleção Roberto Pedroso [dispersada após sua morte]. Agrolongo era dono da fábrica de Fumos Veado e suas imagens estereoscópicas eram oferecidas de brinde aos consumidores dos seus produtos, no primeiro amplo esforço de difusão de imagens fotográficas e de incentivo ao colecionismo das mesmas no Brasil.


Autor desconhecido ¾ Procissão em louvor a Nossa Senhora Auxiliadora na rua de Santa Rosa (no ponto em que depois seria erguida a Basílica), 1900. Acervo Colégio Salesiano.


Autor desconhecido - Alunos do Colégio salesiano no embarcadouro da Cantareira em São Domingos (no ponto em que se situa hoje o Colégio Maria Thereza), c. 1900. Acervo Colégio Salesiano. Essa inocente imagem adquire uma conotação sinistra quando evocamos o terrível acidente que vitimou dezenas de alunos do Salesiano na volta de uma viagem semelhante de barca ao Rio.


Autor Desconhecido - Jogos atléticos no Rio Cricket, 1908. Acervo Mônaco da Fundação de Arte de Niterói. Vale lembrar que o Rio Cricket foi um dos principais difusores no Brasil de um esporte vindo da Inglaterra, o football. Mais um importante pioneirismo de Niterói, similar ao da pintura de paisagem pelo Grupo Grimm. Movimentos que influenciaram o país inteiro, porém poucos se dão conta disto.


Autor Desconhecido - Pescaria na praia da Boa Viagem, 1908.
Acervo Mônaco da Fundação de Arte de Niterói.


Augusto Malta - Palacete de Dom João VI em São Domingos, c. 1904. Coleção Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
Ao que se sabe essa é a única fotografia conhecida do palacete (demolido em 1905). Eu a localizei entre as imagens (ainda não catalogadas à época) que pertenciam ao acervo pessoal do fotógrafo depois que ele se aposentou e mudou para Niterói (onde morava no Ingá). Esse conjunto foi adquirido pelo governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, em 1965, com a finalidade expressa de constituir o núcleo inicial do acervo iconográfico do Museu da Imagem e do Som. Criado nesse mesmo ano, foi o primeiro do gênero no Brasil.


Augusto Malta - estação hidroviária de passageiros na praça Araribóia, c. 1918. Coleção Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Similar àquela ainda existente do outro lado da baía, essa estação foi destruída em 1959 naquela que ficou conhecida como a “Revolta da Cantareira” (ou “Revolta das Barcas”).


Manuel Fonseca - Trampolim da praia de Icaraí, 1941. Coleção da Fundação de Arte de Niterói.
Símbolo da cidade durante muitos anos, foi explodido (por razões de segurança dos banhistas) em 1964.


Manuel Fonseca ¾ Bloco de travestis em Icaraí, Carnaval de 1944.
Coleção da Fundação de Arte de Niterói.


Manuel Fonseca - Bloco “Inocentes Canibais” diante do busto de Araribóia, na praça Araribóia, Carnaval de 1956.
Coleção da Fundação de Arte de Niterói.


George Leuzinger ¾ Pedra da Itapuca, c. 1865. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles]. No século XIX a Itapuca gozava de maior prestígio que o Pão de Açúcar, a ponto de o barão do Rio Branco ¾ cujo centenário de morte ora se comemora, e que tanto tempo viveu longe do Brasil ¾ ilustrou seu ex-libris com ela, acrescentando o seguinte dístico latino: Ubique patrie memor. Durante muitos anos eu mesmo não entendia o “sucesso” da Itapuca, somente há pouco descobri que foi possivelmente o naturalista Louis Agassiz (que aqui esteve em 1865) o grande responsável pelo seu prestígio, ao considerá-la um exemplo remanescente dos “drifts continentais” da Era Glacial.


Victor Frond ¾ Ilha dos Ratos [atual ilha Fiscal], com as colinas de Niterói ao fundo, 1858. Coleção Biblioteca Nacional. Essa litografia reproduz a primeira imagem fotográfica em que figura (ainda que no segundo plano) a cidade de Niterói. Integra o livro Brasil Pitoresco, com texto de Charles Ribeyrolles, fotografado, produzido e editado por iniciativa de Frond em 1861. É interessante lembrar que Ribeyrolles continua entre nós [no Cemitério do Maruí], com um epitáfio especialmente composto por seu [e de Frond] amigo Victor Hugo. Por outro lado, o texto de Ribeyrolles foi vertido [mal, porque rápido e em grupo] para o português entre outros por um jovem que viria a fazer história: Machado de Assis.


Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)

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14 comentários:

  1. Bom dia, Roberto Kahlmeyer.

    Agradecendo o e-mail útil e informativo, retribuo com uma mensagem de minha autoria.

    Muitas pessoas recebem dicas, mas só as pessoas inteligentes sabem aproveitá-las.

    Se, porventura, quiser fazer um passeio cultural - visite a Bienal Internacional de São Paulo no período de 09 a 19 de agosto no Anhembi - Avenida Olavo Fontoura, 1.209 - Santana - São Paulo - Capital.

    Um bom final de semana, extensivo a família.

    Atenciosamente,

    Alberto Slomp.

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  2. Riquíssimo material, Kahlmeyer!

    Uma postagem nota 1000!

    Abraços do Alan

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  3. Roberto, vc está coberto de razão: as fotos são pura poesia! Parabéns ao organizador Pedro Vasquez.

    Abraço,
    Sonia Lobo

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  4. Excelente Trabalho Roberto,
    é pena que as pessoas ligadas à cultura em sua cidade não dão a mínima para o desvelo com o qual você desenvolve seu trabalho.

    Receba, pelo menos, a minha consideração e respeito
    KL

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  5. Que delícia observar o passado da nossa cidade. Que tristeza perceber que todos os governos (talvez, e só talvez, com alguma exceção) nunca souberam, ou melhor, nunca se interessaram, nunca tiveram a percepção de unir com harmonia o crescimento da cidade com o que Deus deu. E nunca souberam (e não sabem! ou não querem! Ou sempre pouco se lixaram) conservar a memória e a cultura, permitindo o avanço sem destruir a beleza do passado. Mas isso não é "privilégio" de Niterói, acontece no Brasil inteiro. Só não acontece em paises verdadeiramente de 1º Mundo.
    Muito obrigado, Roberto, pelas imagens, são um presente para os olhos e para o espírito. Delícia.
    Carlos Rosa Moreira.

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  6. Caro Kahlmeyer-Mertens,

    Bom dia!

    Agradeço muitíssimo seus comentários e a divulgação das imagens de meu livro, "Niterói e a Fotografia, 1858-1958" no seu sempre interessante e instigante "Literatura-Vivência".

    Por coincidência, ontem fui fazer uma palestra no Instituto Histórico e Geográfico de Niterói ("Aspectos da Fotografia na província do Rio de Janeiro no século XIX") e duas pessoas me indagaram acerca da possibilidade de reedição do livro, questão que fica esclarecida de uma vez por toda com a sua postagem.

    Reiterando meus sinceros agradecimentos, envio o abraço amigo de

    PA

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    1. Vai fazer a reedição, Pedro?
      Um abraço
      Belvedere

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  7. Lindo de morrer!

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  8. Que posatagem linda, Roberto! Vc é grande, amigo!
    Bjs
    Belvedere

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  9. Roberto, sou contra comentários que não sejam exclusivos sobre o assunto tratado no blog. Entretanto comentei, acima, esta excelente postagem, e agora, se permitir, gostaria de dar uma notícia literária. O escritor paulista radicado em Poços de Caldas, Chico Lopes, é um dos dez finalistas de um dos maiores premios literários do país: o São Paulo de Literatura. Chico foi o primeiro entrevistado do Cenáculo Fluminense para as páginas do Literato. Sinal de que o Cenáculo acertou, e de que o Literato foi visionário, pioneiro na escolha de seu entrevistado. Chico Lopes já é um dos grandes contistas deste país.
    Um forte abraço.
    Carlos Rosa Moreira.

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  10. Prezado Kahlmeyer:

    acho ótima a iniciativa de lembrar dos livros que marcaram Niterói. Lamento que a antologia "Água Escondida" de Neide Barros Rêgo ainda não tenha sido contemplada.

    Este livro não teria marcado Niterói?

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  11. Espetacular! Espetacular!...

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  12. O Blog é 1000, cabendo ressaltar, trata a cidade de Niterói com o carinho e respeito que ela merece.

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  13. Esse livro pode ser encontrado em algumas lojas de livros usados. Há alguns exemplares à venda na Estante Virtual, como esse:
    http://www.estantevirtual.com.br/livros-moura/Pedro-Vasquez-Niteroi-e-a-Fotografia-1858-1958-87008004?busca_ref=fg

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