sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Imortais", três pequenas crônicas de Carlos Rosa Moreira





Imortais

                                                                                                                              Carlos Rosa Moreira

Não havia nada nas noites daquela cidadezinha. Eu voltava para o hotel quando o celular tocou e me deram a notícia. Foi ruim, um momento terrível, mas, que jeito? Ainda caminhei uns passos, então lembrei de convidá-lo para tomar uma cerveja. Tinha um pequeno boteco, o único ainda aberto, mas Osmar aceitou na hora.

─ Uma cerveja e dois copos ─ pedi ao rapaz do boteco.

─ Dois copos?

─ É, dois copos.

A cerveja veio e servi o Osmar e a mim do jeito que gostamos, com um bom colarinho. Ele puxou o cigarro de sempre; eu peguei um charuto.

─ Você tem que fumar um desses, Osmar. Pelo menos, não traga.

─ Bobagem, prefiro os meus ─ e terminou a frase com uma tosse daquelas.

Então conversamos sobre velhas coisas, as coisas das quais ele mais gostava. Falamos de comida de boteco, de roça e sertão, do bem que a chuva mansa faz às folhagens, do perfume das leiras ao cair a tarde, dos nossos filhos. Cheguei a iniciar uma conversa sobre assombração, mas não seria de bom tom. Um bêbado tentou sentar na cadeira do Osmar.

─ Eh! Sai pra lá, meu chapa, não tá vendo o meu amigo aí, pô!

O bêbado arregalou os olhos para mim e saiu de banda.

Osmar e eu ainda conversamos muito. Só fomos embora porque o boteco fechou. Ele me levou até o hotel e depois sumiu na noite das calçadas. Foi um dia triste aquele, mas, pelo menos, passamos umas horas de conversa, né companheiro?
E temos conversado muito nesses “bares da vida”. Tem garçom que traz a cerveja preferida do Osmar antes de a gente pedir. Imagine quando estivermos juntos de vez, hein Osmar? Mas... será que vai ter cerveja?


***


Ah, meu caro Chico, hoje me lembrei de você. Você sabe, faz tempo que deixei as montanhas. Mas da última vez, na Travessia, você estava comigo, não estava? Tenho certeza de que estava. Mas lembrei de você por outro motivo, foi por causa de uma loira que subiu as escadas na minha frente, num prédio aqui do centro da cidade. Chico, parecia aquela loira do Pão de Açúcar... Lembra? Foi na abertura da temporada de 1989, quando escalamos pelo Costão. Estávamos no “Jacó”, respirando um pouco, quando surgiu a loira. Passou por nós como o vento, pôs um pezinho aqui, outro ali, abriu spagat e, num átimo, transpôs aquela “escadinha” de pedra e sumiu escalando paredão acima. Nós ficamos embaixo, de bocas abertas com as cordas nas mãos, apreciando a técnica da loira e o espetáculo que o short largo ofereceu.
Depois daquele dia no Pão de Açúcar ainda subimos muitas montanhas. Subimos não, eu subi e encontrei você lá em cima no ar frio e cristalino que amamos. Faz tempo, Chico, que não pego uma trilha ou desafio um paredão, mas qualquer hora o encontro aí nas alturas, nessa relva baixa e perfumada onde as árvores não crescem e onde os riachos congelam no mês de julho. Qualquer hora, companheiro...


***

Roberto, amigo véio, hoje eu fui pro mar. Fazia tempo, rapaz. Chamei e esperei, mas você não apareceu. Ou estava lá e eu não vi? feito aqueles cações de Arraial que nadavam invisíveis entre a gente, lembra? Bons tempos, né Roberto? Hoje havia ondas perfeitas em Itacoá, mas a água estava tão clara que preferi ficar por aqui. Há três dias um sudoeste trouxe boas águas lá do oceano, “água roxa”, como gostamos. Refiz nossos percursos, atravessei os lajeados e depois me deitei naquela pedra lisa da ilha. Havia tainhas na superfície e badejos no fundo, mas eu só desejava nadar. Puxei assunto com você na pedra, como fazíamos ao retornar dos mergulhos, mas você não respondeu. Um solitário pescador de linha chegou a se assustar comigo, pois eu falava, falava e ria muito de uns fatos engraçados acontecidos com os nossos amigos. Acho que você estava lá, meio emburrado e quieto daquele seu jeito. Depois parei de falar e fiquei admirando o mar. A gente vai, Roberto, e nada muda. Tinha aquela brisa mansa soprando de sul, e na ponta da Fortaleza o espumeiro de sempre, formado pelas ondas desse vento calmo. O perfume da maresia enchia os pulmões, ah... como é bom o cheiro de mar! Tem mar aí, Roberto?




Divulgação Cultural
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domingo, 15 de janeiro de 2012

"Pimentel: o Arconte da memória fluminense", por Dalma Nascimento

O que mais dizer de Pimentel depois do texto da professora Dalma?...


Luís Antônio Pimentel ao lado de Carlos Monaco durante a homenagem do Giro Cultural,
promovida pela Imprensa Oficial do Rio de Janeiro e do Grupo Mônaco de Cultura.
(Foto de Alberto Araújo)



                                                                                                                                  Dalma Nascimento

Luís Antônio Pimentel, escritor fluminense, desmente a etimologia da palavra “aposentado”, aquele que “fica no aposento”, recluso do mundo. Nunca se acomodou na cadeira de balanço, de chinelos e pijama, a olhar pela janela, igual à Carolina da música, nem fica vendo a banda passar. Sorrindo à vida no alto de seus noventa anos, está continuamente aberto à beleza do amor, aos signos modernos e jamais abandona a sua máquina fotográfica Nikon, ou o seu pequeno gravador, aliado à eterna inspiração de versejar. E muito bem!
Com seu lúcido olhar de Poeta dos maiores tons em muitos livros de vários temas e estilos publicados, Pimentel integrou-se à paisagem cultural de Niterói. Sempre no fluxo dos acontecimentos memoráveis lá está ele, capturando, com as lentes da sua objetiva, flashes do cotidiano, e relatando episódios verídicos e pitorescos “causos”, a que não faltam a fantasia criadora e o conhecimento linguístico, armazenado em sua longa e frutífera existência.
Jornalista, membro do Instituto Histórico e de várias Academias de Letras, estudioso de provérbios populares e dos topônimos tupis, dos quais fez até um dicionário, ele é também biógrafo de pessoas e lugares em sua coluna semanal de A Tribuna. Niterói. Porém, um dos títulos talvez de que mais ele se orgulhe é o de ser Membro do Calçadão da Cultura do Grupo Mônaco, do Carlos Mônaco da Livraria, além de possuir a carteira nº 1 da Sociedade Fluminense de Fotografia.
Tendo vivido muito tempo no Japão, trabalhou na rádio de Tóquio e publicou, em 1940, o primeiro livro de um poeta brasileiro no idioma nipônico. Com saberes, tão múltiplos e profundos, é verbete da Enciclopédia Delta-Larousse. Colecionador de lembranças, revela, em livros, artigos, fotos e entrevistas até na televisão, a memória nacional e do Estado do Rio de Janeiro. Quem quiser saber algo do passado, logo procura o grande mestre Pimentel.
Por ser dono deste dom, Pimentel lembra um Arconte, aquele dignitário da antiga Grécia, respeitado pela comunidade, preservador e intérprete dos documentos e das leis da pólis. Arconte tem a mesma raiz de “arqueologia”, de “arquivo”, de “arcano” e de “arqueiro”. De fato, Luís Antônio Pimentel, o verdadeiro Arconte de Niterói, é o arquivo vivo da cidade.
Na efervescência das coisas, lá está ele na arkhé, ou seja, nos fundamentos dos fatos, para reconstituir os laços esfiapados da memória coletiva. Submerge nos arcanos da tradição e de lá retorna iluminado. E, com a mestria de um arqueiro, o Arconte Pimentel  lança o arco da aliança do passado cultural às gerações futuras.

(Publicado em O Correio, edição “Aposentadoria, em 15 de setembro de 2002, na qual o Poeta-Arconte Luís Antônio Pimentel figurou na capa do jornal, com sua máquina Nikon e seu sorriso, sempre jovem e brejeiro, clicando certamente uma cena cultural de Niterói.)



 
Divulgação Cultural
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Abaixo existe um texto que pode copiar e colar
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«Contra o fechamento da Livraria Camões»: