sábado, 21 de abril de 2012

Feriadão em companhia do "psicologismo" de Belvedere Bruno







O derramar de tristezas                
  

Norma não nutria expectativas em relação à vida após inesperada separação. De nada adiantava lhe falar sobre possibilidades. O que desejava era a volta de Felipe. O casamento durara exatos 25 anos, comemorados com festa em prestigiado clube da cidade. Uma noite, ele, abruptamente, disse-lhe que não havia nada mais que justificasse a relação.
Norma era atriz e escritora e, por conta da separação, abandonara ambas as atividades. Aos que perguntavam sobre a falta de uma reação mais condizente com uma pessoa de seu nível, ela dizia que, se escrevesse, derramaria tristezas. Faltavam-lhe alvoroços. Sobravam melancolias.
Nuvens cinzas e espessas acentuavam sua sensação de desviver. Catava seus cacos, tentando  não  se despedaçar em meio à agonia. Setentasse encenar, tudo soaria dramático demais.
Teria congelado a alegria dentro das fotos dos seus inúmeros porta-retratos?
O som de um piano chegava até ela. Melodia de um tempo de quaresmeiras, doces colheitas, ânsias de paixão. Cores. Hoje, sua vida era um filme noir. Lágrimas, partidas e saudades.
Da janela, observa um  navio que  desliza sobre o oceano. ─ Decerto carrega milhares de ilusões. Quisera ser uma das passageiras! ─ reflete.
─  Haveria, ainda, esperança? ─ indaga a si mesma, ao mesmo tempo quebalança a cabeça negativamente. Com um copo de uísque na mão, constata que sua única certeza é quanto à fidelidade do álcool.
Consciente de que os dias passarão e que não haverá mudança no cenário emocional, esfrega as mãos nervosamente, vai à janela e cai num choro convulso, murmurando: ─ Quisera, ao menos, voltar a sonhar colorido!





Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Projeto "Livros que marcaram Niterói" ("Presença da cultura fluminense", de Horácio Pacheco)


Convicto do brocardo lobatiano segundo o qual “um país se faz com homens e livros”, tentei elencar, de memória, aqueles títulos que eu acreditava representar bem a cultura literária de Niterói.  Consultando várias pessoas ligadas ao meio acadêmico de minha cidade, foi curioso o fato de minha lista coincidir com os títulos apontados por aqueles conhecedores de livros. Diante desta coincidência (ou deveria dizer “feliz serendipidade”), animei-me, sem maiores pretensões, a apresentar quinzenalmente alguns dos livros que teriam, de algum modo, marcado a cena literária niteroiense. Livros que trouxeram contribuições substanciais em alguma área, inovações, resgates, celebrações de datas festivas da cidade e que, até, ficaram conhecidos pelas polêmicas que causaram.  Em todos esses casos, o valor literário ou histórico foi o que deu o critério para essas escolhas que – longe de serem completas – serão singelos afagos na cultura de nossa cidade.

A contar de hoje, assim, em cada quinzena, o leitor de Literatura-Vivência poderá conhecer, no Projeto “Livros que marcaram Niterói”, um pouco mais das nossas letras.



Presença da cultura fluminense, de Horácio Pacheco


Presença da Cultura Fluminense em primeira e única edição.


“Admirardes a riquíssima paisagem cultural fluminense”. Sem saber que cravava um marco literário na cultura do estado do Rio de Janeiro, é com este convite que Horácio Pacheco finaliza o seu Presença da cultura fluminense. No discurso festivo, proferido em solenidade da Academia Fluminense de Letras – AFL, no dia 13 de março de 1975, o autor consagra à nossa terra, em páginas abreviadas, um de seus mais proeminentes retratos. A relevância deste breve documento só pode ser apreendida depois de situada no tempo em que foi concebida.
Editada a Lei Complementar nº 20, de 1974, e assinada pelo então Presidente da República Ernesto Geisel, fundiam-se a Guanabara e o Rio de Janeiro. Separados desde 1834, na data de 15 de março de 1975 se restauraria a unidade preexistente. Ainda que conservados os símbolos e legendas do antigo estado do Rio de Janeiro, e em meio ao inegável entusiasmo que a novidade provocava, alguns “antenas” esperavam com apreensão o produto dessa síntese. Ao fim da década de 1960, quando a fusão era apenas uma hipótese aventada, alguns intelectuais já se mostravam pressurosos quanto ao impacto de uma tal fusão sobre a identidade cultural da Velha Província. Não é por acaso que nesses anos tenham-se proliferado publicações que pretendiam “um registro de nosso patrimônio cultural” no qual “afigura-se oportuno mostrar, além das belezas panorâmicas, a exuberância dos nossos poetas e prosadores, e a alma fluminense.” Esta missão, tal como formulada por Jacy Pacheco em sua antologia literária Paisagem fluminense (1969), já havia sido intentada por Rubens Falcão um ano antes, em sua Antologia de Poetas Fluminenses (1968), além de perseguida pelo olhar antropológico de Vera de Vives, mesmo posteriormente à dita fusão, em O homem fluminense (1977). Contudo, é em Presença da Cultura Fluminense (1975), que vemos mais bem noticiados os traços identitários de nosso estado.
Ao lado das já referidas obras e de outras que versam sobre o Rio de Janeiro (neste último caso a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, do IBGE; e a alentada tetralogia de Alberto Ribeiro Lamego, O homem e a Guanabara, a Serra, o Brejo e a Restinga), o opúsculo de Horácio Pacheco difere não apenas por sua extensão mas, também, por sua natureza. Interessado em descrever traços sócio-político-culturais de um Rio de Janeiro originário, nos vemos diante de um discurso acadêmico. Peça que testemunha a viva tradição oratória que, àquela época, ainda exibia seu vigor, criatividade e erudição por meio das prédicas de mestre Horácio e das assinadas por nomes como Alberto Francisco Torres, Paulo de Almeida Campos, Alaôr Eduardo Scisínio, entre outros cavalheiros de uma nobre escola de cortesia e inteligência.
Na Ética a Nicômaco, Aristóteles orienta sobre o lidar com homens instruídos de diferentes ofícios. Segundo ele, seria insensato exigir, por exemplo, de um tribuno, demonstrações e conclusões rigorosas; do mesmo modo, aceitar raciocínios apenas prováveis de um matemático. No entanto, aquele velho heleno se admiraria ao verificar o grau de fidedignidade obtido por Horácio Pacheco em suas discrições do homo fluminensis, de suas imagens e visões de mundo. Tal fato se explica, por um lado, por nosso autor (um Bacharel em Direito por formação) ser, antes de tudo, um professor dotado de metódico interesse investigativo e oportuna preocupação didática; por outro, o fato de o autor ter nascido em Ribeirão Preto - SP, tendo escolhido em 1935 o RJ para nele se radicar, isso faz com que a condição fluminense de Horácio Pacheco não seja um lance do acaso, mas de um ato de vontade, um engajamento referendado por jus cordis. Entendemos que, não sendo nascido no Rio de Janeiro, o autor desfrutou de um distanciamento ótimo para fazer suas análises, ao mesmo tempo em que valorizava os apreciáveis atributos desse torrão.
Está enganado o leitor que reputaria Presença da cultura fluminense como resultado de intuições esparsas mescladas a protestos afetivos metidos em traje retórico, a receita de “misto de ensaio e epitalâmio, com borrifos de história, sociologia e antropologia cultural” dada pelo próprio Horácio e reforçada por Lyad de Almeida ainda é imprecisa, a ponto de não nos deixar entrever as matrizes disciplinares apropriadas de Alberto Lamego, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda (ousaria ainda assinalar, ali, traços apenas esboçados da presença de Arthur Ramos e Wilson Martins).
Depois de evidenciar, amparado pela ciência desses scholars, aspectos do comportamento dos fluminenses (esses generalizados sob o título de “técnica de bondade”), Horácio Pacheco indica também seus ofícios, culinária e folguedos. O olhar que o autor relanceia sobre a paisagem cultural do Rio de Janeiro ainda segue o rastro de cintilâncias deixado pelos melhores filhos da terra em diferentes épocas, locais (municípios) e áreas do saber. Horácio Pacheco elenca, por fim, de modo tão completo quanto o possível, o que é autenticamente fluminense nas artes, nas letras e nos fazeres de competência técnica. São oportunamente lembrados por nosso autor os nomes dos literatos poetas Luiz Pistarini, Lili Leitão, B. Lopes e os prosadores Silva Jardim, Agripino Grieco e José Cândido de Carvalho (esses dois últimos não só contemporâneos como também companheiros); nas ciências humanas Euclydes da Cunha, Alberto Torres e Oliveira Viana são ressaltados; especificamente na educação, Benjamin Constant, Felisberto de Carvalho, Guilherme Briggs e Bittencourt Silva são lembranças felizes, entre outros tantos ainda constantes na significativa tradição política, jurídica e médica do referido estado.
Caminhando para a peroração de seu discurso, Horácio Pacheco ainda registra um agradecimento cordial a instituições culturais que trabalhariam pela difusão cultural do estado do Rio de Janeiro. Nestes votos de consideração, se reforça a fé que o autor nunca deixou de depositar no movimento das academias de letras do estado, convicção esta constatada tanto nos diversos laços de pertencimento acadêmico que o autor conservava (não apenas como membro, mas como dirigente e, em alguns casos, fundador), quanto nas palavras judiciosas sobre essas Casas de cultura: “atalaias, todas elas, de nossa sobrevivência cultural”.
Publicado em agosto de 1975 pelo Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural, sob os auspícios de seu presidente Lyad de Almeida, a tiragem de mil exemplares feita nas oficinas da Gráfica Editora La Cava Santos definitivamente não foi suficiente para garantir o legado de Horácio Pacheco até a presente data.

Já não estaria na hora de uma segunda edição deste belo texto?





terça-feira, 17 de abril de 2012

Nosso primeiro ano...







Em meio aos muitos festejos do centésimo aniversário de Luís Antônio Pimentel, Literatura-Vivência completou seu primeiro ano de atividades. Naquela data, entendendo não poder concorrer com o nosso amado poeta (Pimentel é hors concour), preferimos reservar as comemorações do blog para quando nossa programação retornasse a sua rotina.

Comemore-se, portanto, desde já, a renovação dos votos de “ser anfitrião das belas letras”. Literatura-Vivência (o aniversariante) continuará voltado ao fomento e divulgação da boa poesia, da crônica, do conto, da crítica e, também, da vivência em meio às Instituições acadêmico-literárias.

Nós, moderadores, almejamos prosseguir na tarefa de preservar a memória da literatura (especialmente a fluminense), promover o trabalho de autores cujas obras já se encontram consolidadas e apoiar as promessas que ingressam na senda literária.
Além de nossa programação normal, Literatura-Vivência na próxima postagem (a ocorrer na sexta-feita), revelará o seu mais novo projeto. Aguardemos comemorando...






segunda-feira, 16 de abril de 2012

"O Amor Segundo Luís Antônio Pimentel" inclui fotografias tiradas por Pimentel e amigos alindam a presente edição, repleta de loas e hosanas ao amor (artigo de Roberto Santos em "O Fluminense" )















O Amor Segundo Luís Antônio Pimentel.
Luiz Augusto Erthal e Luiz Antonio Barros (Organizadores). Nitpress Editora. 160 páginas. R$ 35.



                                                                                                                                      


Nosso jovem centenário Luís Antônio Pimentel, em certos instantes, deixa-se levar por aquele clássico canto de Dante: “O amor me move. Só por ele eu falo”. Observando como o tema do amor é recorrente em seus inúmeros textos, Luiz Augusto Erthal e Luiz Antonio Barros organizaram a presente antologia, dividida em três belas dimensões: reunião de poemas, haicais e 12 dias com Leviana (novela relâmpago em 13 edições).
Roberto Kahlmeyer-Mertens, no “Prefácio”, anota que esses “três momentos integrantes se completam, fazendo com que a coletânea conserve coerência, coesão e efeitos estéticos de onde quer que se arranque à leitura”. Assim, perfeitamente esclarecido, o leitor logo lê no “Poema do Amanhã”: “Amanhã, quando fores minha,/ eu serei sol,/rompendo as brumas em que te envolveram./Meus gestos serão paisagem/ escorrendo ternura (...)” Adiante, o poeta confessa; ”eu tenho ciúmes do sol/ porque te beija muito...//Beija demais/o teu corpo formoso/ e a tua boca de carmim...”
No sopro erótico que funde amor e vida, fazendo coro com o vento do amor total — a Vinicius de Moraes —, Pimentel indica o amante desejo: “Amar-te a noite toda, e enquanto queiras,/Ver as dunas dos seios atrevidos/ e o gozo sombreando-te as olheiras;//e renovar o amor cada manhã,/ nos beijos, nas carícias, nos gemidos,/ no tapete, no leito, no divã”.
Famosos, sem dúvida, desde a década de 50, são seus haicais, dos quais, na pág. 85, há encantador exemplo: “Olhos de uva verde/ anunciam que teu corpo/ é taça de vinho.” Ou, em explosão de paixão, o revelado segredo; “Decorei teu corpo./Sei-o na ponta da língua/ melhor que ninguém”.
A novela “Leviana”, que recentemente ganhou brilho de peça teatral, é precedida por prefácio do poeta Gomes Filho, na 1ª edição. E dela, pouco a pouco, surge coleante perfil: “O relógio de Leviana só dizia as horas certas quando estava parado”; “Leviana tinha uma religião — o Amor; um deus — o Fingimento: e uma oração — o Pecado. Leviana dizia que pecar é muito mais humano que rezar.”
Não se pode deixar de ler, ao final do volume, “Glossário e Notas” e “Dados biobibliográficos” — aquele organizado pelo mestre Luiz Antonio Barros, e estes assinados pela pena inteligente e sensível de \Graça Porto.
Fotografias tiradas por Pimentel e amigos alindam a presente edição, repleta de loas e hosanas ao amor — sentimento que é “sede depois de se ter bem bebido”, no dizer de Guimarães Rosa. Na orelha do livro, Fernando de Aviz assegura que a lírica sinfônica de Pimentel é um “misto de contar e cantar, com duração mínima para os próximos 100 anos”.

Confira a matéria em seu contexto original clicando AQUI.






domingo, 15 de abril de 2012

Um soneto...







Não te arruínes, alma, enriquece

Centro da minha terra pecadora,
alma gasta da própria rebeldia,
porque tremes lá dentro se por fora
vais caiando as paredes de alegria?

Para quê tanto luxo na morada
arruinada, arrendada a curto prazo?
Herdam de ti os vermes? Na jornada
do corpo te consomes ao acaso?


Não te arruínes, alma, enriquece:
vende as horas de escória e desperdício
e compra a eternidade que mereces,


sem piedade do servo ao teu serviço.
Devora a Morte e o que de nós terá,
que morta a Morte nada morrerá.


(SHAKESPEARE, William. In: Sonetos. Tradução de Carlos de Oliveira)







Revista Internacional "Literacia" (novo número)



Caro Leitor,
Em nosso Editorial de hoje compartilho com você uma oração que recebi. Diante o mar de lama da corrupção que nos assola e envergonha só um milagre capaz de salvar o Brasil.
Quem sabe Deus é de fato Brasileiro?
Para seu Prazer de Ler, visite seu Colunista Preferido, vale conferir:
  
 Affonso Romano de Sant'Anna: O lobo e o cordeiro: versões
    
 Aquiles Reis: Poética alagoana

Eliana Crivellari: Gabriel N. Neves

  Roberto Kahlmeyer-Mertens: Da atualidade do projeto hermenêutico diltheyano.


  Valentina Latiffa: Harvard... para quem?


 Jairo Ferreira Machado: Olhos de rimel

José Félix: Auri sacra fames


Obrigada por sua companhia e boasleituras.
Sempre: Paz e Bem !
anamerij
A LITERACIA