Capa de Villa Pereira Carneiro (Nitpress, 2008)
Os animais da floresta se reuniram para escolher sua
rainha. Na disputa, a cevada porca reclamou a coroa: “ – Eu chego a dez filhos!”. A ardilosa raposa, coçando sua calva, calculava
quase cem crias nas últimas primaveras. Foi quando chegou a leoa dizendo ser
ela a rainha. Autoritária, a cadela (acudida pela toupeira e pelo veado)
contestou questionando quantos filhotes ela teria. A leoa respondeu
imediatamente: “ – Um, mas é um leão.”
(ESOPO, Fábulas)
Existem livros que por sua especificidade acabam demorando
a ser reparados num cenário de ideias, entretanto, uma vez descobertos e lidos,
essas obras passam a receber a merecida atenção pelo valor de sua contribuição.
É o caso de Villa Pereira Carneiro,
de Roberto Affonso Pimentel. Editado pela Nitpress
em 2008, o livro oferece consideráveis subsídios para a elaboração da história
deste bairro de Niterói e, em boa medida, elementos que contribuiriam para a
própria escrita da história do Município.
Objetivando a narrativa da história da vila operária
criada pelo Conde Pereira Carneiro, o livro tem o tom predominantemente técnico-historiográfico,
mas não ficam de fora (como o próprio autor adverte em seu prefácio) os
elementos da memória afetiva. Apreciando sua forma e conteúdo, constatamos a
existência de um livro inteiro, pois nele nada falta ou é interrompido repentinamente.
De início, temos uma coletânea sistemática de artigos que seu autor chamou de
“Textos e reportagens”, ali vemos notícias sobre aquela vila operária, sobre o
Conde que a administrava e sobre as Condessas (que foram, em diferentes épocas,
suas esposas); após, temos substanciais capítulos de desenvolvimento, são eles:
“Anatomia da Villa”, “Casas”, “Diversão”, “Termos, costumes, simpatias e
curiosidades”, “Comércio e serviços”...
Entre os itens de desenvolvimento do livro, o capítulo
denominado “Moradores” merece, aqui, uma especial ressalva. Trata-se da mais
completa relação de documentos sobre a alocação dos daquela vila. Casa a casa,
Roberto A. Pimentel identifica moradores, destaca o trabalhador de seus
familiares e documenta fielmente datas, taxas de aluguel vigentes na época e os
laços de parentesco criado entre os da vizinhança. Este elenco cobre
criteriosamente os anos de 1920-1955.
A acuidade da pesquisa pode ser identificada como saldo
competente de um levantamento documental em que, além de fotos (rigorosamente
identificadas com legendas explicativas) e mapas (também imagens feitas por
satélites), o pesquisador apresenta em fac-símile
diversos documentos obtidos na pesquisa empírica, junto a antigos moradores.
Fora esses, o livro ainda possui uma vasta coleção de anexos, são eles:
escrituras, registros dos primeiros nascimentos (1921), relação de remembramentos
e proprietários etc. Estes, entre outros, seriam certamente úteis aos que, como
Roberto A. Pimentel, entendem como séria a tarefa de escrever a história
daquele lugar.
Por tudo que se disse acima, afirmamos que o autor de Villa Pereira Carneiro é sério, escrupuloso
quanto as suas fontes, isso o destaca de outros cujo pertencimento a uma
deficiente “escola de modéstia” faz com que a pretensão, arrogância e ego
insuflado só não sejam maiores do que sua estupidez. Em verdade, a referida
Obra faz com que muitos dos pretensos historiadores de Niterói sejam levados ao
pelourinho por sua obtusidade córnea e má fé cínica.
Ao leitor que estranhar estes meus comentários,
advirto que eles só são feitos para distanciar o presente trabalho daqueles
poucos mais horríveis espécimes produzidos pela hedionda raça dos
pseudo-historiadores de Niterói: pesquisadores de fim de semana, historiólogos
de arribação, cujos livros têm tanto conteúdo quanto os folhetins da literatura
de cordel e cujo estilo – manda a verdade confessar – não ofusca a glória de
nenhum dos historiadores que ocupam a superfície da terra, contando mesmo os
medíocres, os maus e os péssimos. Estes, ainda, para legitimar sua ciência
deficiente, posam em foto no verso de seus livros com figuras
laureadas para ver se tomam de empréstimo alguma celebridade. Para semelhantes
lorpas e suas respectivas obras não haveria outra qualificação possível senão a
de infelice. Estas personagens, autores
das mais terríveis páginas que se pode dardejar contra a reputação da
historiografia fluminense (digo, ainda, brasileira), ainda têm a tendência a se
agregar em sociedades (ou deveria dizer “maltas”); estas, por sua vez, tão
estróinas, que, se cobertas, virariam circo; se cercadas, pareceriam hospício.
Roberto Pimentel reforça a seleta casta de
historiadores fluminenses integrada por autoridades como Carlos Wers, Clélio
Erthal, Cesar Ornellas, Emmanuel Macedo Soares, Francisco Tomasco de
Albuquerque, Ismênia Martins, José Inaldo Alonso e Thalita de Oliveira Casadei nos fazendo acreditar no que resta da saúde
intelectual da micro-história nas terras do Rio de Janeiro.
Diante de livro em apreço – por enquanto o primeiro e
o único de seu autor – minha palavra aos “prolíficos estoriadores” (sic) não pode ser outra senão aquele
verso de Leconte de Lisle: “Lâche, que ne
fais-tu comme a fait ce lion?”[1] Enfim: livro de Roberto Pimentel é um leão!
[1] “Frouxo, por que não fazes como este leão?”.