sábado, 1 de dezembro de 2012

Um livro com azo de gênese e com gosto de sol... Renato Augusto Farias de Carvalho

 

Capa do livro de Renato Augusto Farias de Carvalho, na arte de Will Martins.
 
 
“Na gênese, Deus criou o céu e a terra, e a terra era desordem e deserto, uma treva sobre as faces do abismo. Mas um sopro sagrado planava sobre a face das águas. Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz”. (Gen.1, 1-3) À imitação do verbo divino, intromisso, o poeta acrescenta: “...Haja, ainda, partículas de sol”, e a tarefa de ultimar a obra divina passa sem mediações do criador à criatura. Não enquanto o simplório legado de Adão, mas como a herança de Orfeu, que bem sabe da idealidade poética do verba tene, res sequentur.
Ao tanger sua lira, o filho de Calíope (musa da memória e da expressão) afina homem-mundo e o verbo poético faz aflorar os trastes. Como soa uma tal lira? Para saber, basta abrir o presente livro (seria pouco chamá-lo apenas de livro!) e entregar-se à prosa e à poesia de Renato Augusto Faria de Carvalho.
Inundado de afetos – alegrias, amizades, amores, prazeres e um feixe de religiões e sabedorias instintivas – repetidos com a mesma mestria dos livros que os antecederam, Renato renasce enquanto discurso possível desde a memória da infância, no anelo íntimo com seus pares e nos relatos de suas viagens de individuação. Estão todos lá: o viandante num hotel em Cartagena (ou seria Veneza?), o escritor no bucólico quintal de sua casa em Itaipu, as imagens meninamente feéricas das águas amazônicas, das lucíolas e dos arrebóis... Estão todos lá.
Dessa última, que se ressalte um registro quase fotográfico: “O barco, esbelto e orgulhoso,/era empurrado pela magnanimidade da incansável/roda traseira./E navegava, altivo, pelo Tapajós,/ Sem dar valor ao esforço da retaguarda./As crianças transbordavam seu espanto/e não percebiam/o quanto era orgulhoso o velho barco:/um Lord,/induzido pela coragem do fiel criado.”
Notável escritor do verbo e da terra, das águas e da luz, Renato poética-admirada-eloquentemente, crônica-perplexa-mnemonicamente nos desvela um horizonte e nos abre um espaço no qual é possível recordar o quanto a literatura é (re)criadora. Literatura que não se expunge, não faz intertexto e não sacia quem a bebe aos sorvos. Nesse gesto, o leitor se compraz em “pranto, delícia, canção e oração”, como nos diz o poeta, ressalvando da luz sua nitidez etérea.
Não há, aqui, como não recorrer a Shakespeare, em algum lugar de seu The Tempest, quando este assevera sermos feitos da mesma matéria de nossos sonhos. Diante da matéria literária que Renato Augusto Faria de Carvalho nos oferece, é quase um imperativo alçarmos, por meio desta, o devaneio estético da literatura encetada pelo poeta e desenvolvida em consonância (afinação) com a gênese. Celebremos, assim, este canto órfico ao repetir: ...Haja, ainda, partículas de sol; haja, ainda, partículas de sol...      
                                                                           



Renato Augusto Farias de Carvalho nasceu em Manaus/AM no dia 30 de junho de 1935. Em sua terra natal, estudou no Colégio Salesiano Dom Bosco. Na cidade do Rio de Janeiro/RJ, para onde se mudou em janeiro de 1952, continuou seus estudos no Colégio Andrews, tendo participado do Grêmio Acadêmico, que ajudou a fundar. No início de 1978, passou a residir em Niterói/RJ. Graduou-se em Letras (Língua e Literatura – Português/Francês) na então Faculdade de Humanidades Pedro II (FAHUPE). Pós-graduou-se em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas. Exerceu diversas funções e cargos na Previdência Social (Direção Geral – RJ), aposentado-se em 1989. Ocupante da cadeira nº 6 da Academia Niteroiense de Letras, também é membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Publicou os seguintes livros: Porto de Ocasos (ficção/memórias. 1998. Editora Cromos), Poesia-do-que-eu-quis (poemas. 2002. Editora Cromos) e Vinho e Verso (poemas. 2005. Ed. Valer). Entre as diversas medalhas já recebidas, destacam-se a José Cândido de Carvalho (conferida pela Câmara Municipal de Niterói) e a do Mérito Cultural Belas Artes (conferida pala Associação Fluminense de Belas Artes). Participou, como entrevistado, do projeto “Personalidades de Niterói”, iniciativa da Associação Atlética do Banco do Brasil – AABB/Niterói. Autor dos enredos carnavalescos “Jorge Amado – do País do Carnaval à Tieta do Agreste” (1978) e “E agora malandro? – Você ganhou a loteria!” (1979), desenvolvidos para Escolas de Samba de Niterói, e de monografia sobre o Clube da Madrugada (movimento cultural de escritores amazonenses nos anos 1950). Das muitas palestras proferidas, destacam-se: “Teatros do Brasil” (participação de Beatriz Chacon e Thuany Feu de Carvalho), “Fagundes Varela”, “Cora Coralina e Manoel de Barros (participação de Gracinda Rosa e Lena Jesus Ponte), “Xavier Placer, 50 anos de literatura”, “Adelino Magalhães, e o pré-modernismo”, “Cora Coralina e Florbela Espanca, um encontro tão possível”, “Articulação poética aproximando Luiz Barcellar e Jorge Tufic” e “Lindalva Cruz e suas composições amazônicas”. É autor de contos e crônicas publicados em jornais e revistas e de alguns prefácios. Possui textos em antologias.



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